Crítica sobre o filme "Discurso do Rei, O":

Viviana Ferreira
Discurso do Rei, O Por Viviana Ferreira
| Data: 30/06/2011

Em 2010, apenas dois filmes me fizeram ficar com um nó na garganta durante toda a projeção: Como Treinar o Seu Dragão, por causa da amizade verdadeira de Soluço e Banguela, e O Discurso do Rei pela humanidade e sensibilidade empregadas, pela primeira vez na história do cinema, à um rei.

O longa conta a história real do rei George VI (Colin Firth), pai da atual rainha Elizabeth, que era gago e que conseguiu enfrentar o seu problema através da ajuda do terapeuta da voz Lionel Logue (Geoffrey Rush), com quem estabeleceu uma surpreendente e verdadeira amizade. Bertie (apelido para os íntimos do rei) conta ainda com a ajuda da esposa, Elizabeth, ou rainha mãe como é conhecida por todos (Helena Bonham Carter, em uma atuação inusitada e inteligente), mas tem como o inimigo Adolph Hitler, e uma invenção que mudou a história da comunicação: o rádio.

Vencedor de 4 Oscar®, incluindo melhor filme, o filme é um triunfo, porque mostra todas as fraquezas e dificuldades enfrentadas por uma pessoa tão importante em um dos momentos chave da história mundial. O fato é que, quando o pai de Bertie, o rei George V (Michael Gambon, numa ótima ponta) faleceu, quem o sucedeu foi Edward (vivido aqui com excelência por Guy Pearce), o irmão mais velho que logo depois abdicou por amar uma plebéia duas vezes divorciada Wallis Simpson (Eve Best). E em uma das cenas mais bem elaboradas do longa, quando Edward assume o reinado, a única coisa que resta à ele é desabar em lágrimas (de desespero, não de felicidade), caindo como um derrotado nos braços da mãe (vivida pela magnífica Claire Bloom, de Luzes da Ribalta), mostrando a fraqueza que iria resultar na renúncia. Logo após esta cena, Bertie vai até o "consultório" de Lionel e, com os olhos marejados de lágrimas, conta todas as angustias de toda uma vida que o deixaram tão sensível mas ao mesmo tempo tão explosivo. Nenhum outro longa expos um rei como este, e com o roteiro fantástico de David Seidler (que com certeza tem os melhores diálogos do ano) temos aqui uma história que tinha tudo para cair no clichê, mas graças a sua realização extremamente bem focada, passa longe de armadilhas do gênero.

O filme tem ainda uma direção ótima de Tom Hooper (queridinho nos EUA por causa da série “John Adams”), e uma parte técnica impecável, que é incrível justamente por ser extremamente minimalista (desde a direção de arte de Eve Stewart até a trilha estupenda de Desplat, tudo é proposital para que o filme se alinhe do jeito que é). Mas mais importante do que qualquer coisa aqui, é o elenco. E que elenco! Derek Jacobi (como arcebispo), Timothy Spall (como Winston Churchill), Eve Best (Wallis Simpson), Anthony Andrews (como Primeiro Ministro), Jennifer Ehle (como esposa de Logue), Claire Bloom (como rainha Mary), Michael Gambon (como rei George V), Guy Pearce (como Edward) e principalmente Helena Bonham Carter, Geofrey Rush e Colin Firth, são triunfais. Helena, na sua atuação contida, consegue transpor todo o carinho que o próprio público gostaria de dar ao protagonista, Geoffrey, tão preparado e inteligente, consegue aqui mostrar porque é um dos melhores atores vivos do mundo, fazendo de seu Lionel um verdadeiro amigo, incentivador, mas que também põe os pés pelas mãos de vez em quando, mas que assume seus erros. E Colin? Pensar que este papel foi oferecido primeiramente ao querido Paul Betthany, que recusou para passar mais tempo com a família e acabou dando a Colin a atuação de sua vida, seu Bertie é explosivo, vulnerável, sensível, sofredor, também erra e assume seu erros, mas acima de tudo, é uma pessoa correta, um homem de verdade, que enfrentou seus medos e conseguiu enxergar em Lionel um amigo verdadeiro que o poderia ajudar a enfrentar um país inimigo.

Talvez toda essa humanidade seja o segredo do sucesso estrondoso que o filme fez pelas terras inglesas e americanas (nunca nenhum filme de reis ingleses fez tanto sucesso de bilheteria por lá), e comovendo os votantes da academia, já que o longa foi indicado à 12 Oscars, e venceu 4: melhor ator, melhor roteiro original, melhor direção e melhor filme. Em meio à tanta ambição, inveja e poder, eis aqui um pequeno grande filme, que consegue expor tudo que uma pessoa deve ser: íntegra, que enfrente seus medos, e que, reconheça no outro todo o seu progresso. Independente desta ser um rei ou um plebeu. E por isso mesmo, este filme é uma verdadeira jóia.