Cinema pode representar, mas por trás de seus impressionantes feitos em termos estéticos, existe uma história singela que ecoa mensagens que por meio de um roteiro maduro esquivam do pragmatismo e do tom didático. Cameron quer que a audiência desperte, como Jake, para uma realidade que há muito tempo já padece diante da negligência. A mensagem é verde, sem pudor. Quando o título da obra surge ao desfecho, ele aparece em gigantes letras verdes. James Cameron possui uma agenda com Avatar, e ele não faz questão de escondê-la.
Jake Sully, interpretado por Sam Worthington, é um ex-fuzileiro paraplégico enviado ao planeta de Pandora para substituir seu irmão gêmeo cientista que fora assassinado. Jake seria a saída fácil para os burocratas que gastaram muito dinheiro na criação de um avatar para o irmão cientista. A experiência consiste em inserir a mente e a alma de uma pessoa em um corpo idêntico aos nativos de Pandora, chamados Navi. Planeta hostil e de clima inadmissível para os humanos, o avatar de um Navi é a única forma de habitarem aquele mundo apropriadamente. Jake começa então a participar do experimento, mas respondendo a ordens de um Coronel, cujos intuitos maliciosos são o de travar guerra contra os nativos caso eles não abram mão da riqueza existente por trás da fauna e flora do planeta. A expedição de Jake, porém, o leva a descobrir beleza em um mundo onde a natureza e o povo vivem em total união ao passo que se vê apaixonado pela nativa Neytiri (Zoe Saldana).
Dono de sucessos comerciais fantásticos, de O Exterminador do Futuro a Titanic, o cineasta James Cameron sempre foi um visionário. Gastou anos na produção de Avatar e, quadro a quadro, denota-se a dedicação excepcional de uma equipe que criou um mundo novo inteiramente do nada. No planeta de Pandora tudo foi composto pela arte da computação gráfica, que por sua vez almeja um realismo impecável. O sublime detalhismo na construção daquele mundo, cuja natureza exótica nos traz montanhas flutuantes e animais incríveis, é fruto de uma imaginação sem igual. Poderia até afirmar que, com o dinheiro que tinham em mãos, arquitetar tamanho mundo não seria difícil, mas não estamos falando de um blockbuster unidimensional que quer fazer barulho e encher os olhos. O colírio arrepiante que Avatar representa ganha vida diante do expressionismo de suas imagens, que buscam comunicar com a audiência algo que vai muito além do simplismo. A magia é contagiante e, assistindo Avatar, você quase volta a ser criança. O escapismo que representa é o entretenimento cinematográfico defendido por Steven Spielberg e George Lucas nos anos 70. Não é exagero afirmar, portanto, que Avatar será celebrado daqui a 30 anos como um verdadeiro clássico. Afirmação clichê ou não, é fato.
Apesar de ser mestre em técnica, James Cameron sempre se revelou um pouco falho no quesito roteiro. Falho, mas sempre plausível. Suas obras representam um tipo de Cinema imperfeito, mas arrebatador. O roteiro de Avatar vem com sua parcela de diálogos pobres e frases feitas, momentos dispensáveis e outros bobinhos. É do tipo de história, porém, que funciona apesar de suas falhas. Isso porque para cada pecadilho, Cameron surge com o triplo de virtuosidade. Seu Cinema é um equilíbrio raro entre a beleza estética, o poder emocional e a ressonância de personagens que são tratados aqui com especial dignidade. Os próprios Navi e os avatares surgem por meio de expressões muito humanas. O que por sua vez já consagra o trabalho realizado pela captura de performance, método de atuação que consiste em capturar o trabalho de um ator e digitalmente atribuí-lo a um personagem em animação. Não é engano, portanto, se maravilhar pela atuação excelente de Zoe Saldana, que é a Neytiri por trás dos efeitos especiais intimidantes. A experiência tri-dimensional de se assistir Avatar é única e fascinante, mas ao contrário da maioria de filmes que vem sendo lançados neste formato, a película não foi realizada apenas para o 3D. Sua desenvoltura vai muito além da imersão proposta pelas telas gigantescas do Cinema. Isso porque sua história ressoa, tem algo a dizer, arrebata e comove. A sequência de destruição de uma árvore, pouco depois da metade do filme, emociona grandiosamente, e a poética imagem do desfecho que coloca humano entrelaçado em braços Navi é o cúmulo da beleza cinematográfica. Avatar pode então ser tecnicamente revolucionário, maravilhosamente lindo em sua estética e possuir umas das sequências de ação mais espetaculares já vistas, mas no fim das contas é Cinema na sua forma mais pura. Irônico, por representar a evolução tecnológica dessa arte, Avatar busca sua inspiração de ternas histórias de amor como Pocahontas e fortes dramas humanos como Dança com Lobos. A película de James Cameron é uma ode ao amor e um celebração do quão ilimitada a sétima arte pode ser. Com Avatar, simplesmente não existe fronteiras.