Crítica sobre o filme "Batman - O Cavaleiro das Trevas":

Wally Soares
Batman - O Cavaleiro das Trevas Por Wally Soares
| Data: 05/01/2009

Batman - O Cavaleiro das Trevas” é um milagre. É como aqueles cometas especiais que passam uma vez na vida e outra na morte. Depois de ter resgatado o bom nome do herói há três anos, com o excelente e denso “Batman Begins”, Christopher Nolan, o cineasta até então tímido e de projetos mais experimentais (todos notáveis) havia ganhado nosso respeito. Porém, apesar da grande antecipação, acredito que poucos previram até que ponto ele levaria sua ambição. É aquele raro exemplo de um blockbuster que simplesmente desgarra de todas as restrições impostas sob ele e se transforma numa verdadeira obra de arte. O que Nolan criou aqui é nada menos de que cinema primorosamente concebido, unificando a ambição clara e óbvia de entretenimento, ao arquitetar cenas de ação de intenso valor estético, com engenhosidade cinematográfica, ao introduzir um roteiro tão introspectivo quanto a direção de Nolan foi visionária. Não é fácil encontrar defeitos neste filme, especialmente se você está sendo tão entretido e impactado pela sua força que você nem se importa em procurá-los. Porém, ainda revendo ao filme, percebe-se que se trata mesmo de um cometa e não um simples blockbuster de verão. É puro cinema. Feito com arte e, principalmente, paixão.

Mas se ele foi concebido com paixão, tal sentimento é o que ele menos transmite quando observado sob o aspecto do mundo que retrata. Fazendo jus ao seu título, o filme realmente é sombrio, assumindo um clima de terror extremamente tenso sem nunca abrir mão do realismo. Tal clima, em um filme altamente atmosférico, ganha um peso a mais com a figura de o Coringa. E é nisso que é estabelecido, de forma ainda mais exemplificada, o amadurecimento do filme quanto aos outros filmes do herói. Burton fez aqueles dois primeiros imaginativos e divertidos filmes, e todos se lembram do Coringa engraçado, bizarro e ótimo de Jack Nicholson. Mas aquilo era puro bom humor. E, ainda que o novo Coringa arranque inúmeros sorrisos do espectador, é mais pela sua figura fascinantemente macabra e sinistra do que pelo seu humor, que é tudo menos politicamente correto. As piadas do Coringa, em geral, causam o ranger dos dentes. E é nesse mundo pessimista, pesado e denso que abordamos ao adentrar o filme. É o primeiro a isolar completamente o nome do herói no título original, e por vários motivos. Primeiro que essa obra é muito mais do que um mero filme de super-herói, segundo que, como pudemos tirar do desfecho poético emblemático, o personagem possui um caráter muito mais profundo e "multi-dimensional" do que poderíamos esperar.

E, assim, o complexo mundo vai se desenrolando. Em seu núcleo, um grande épico criminal, que retrata Gotham com um realismo que nos traz de volta à nossa própria sociedade. Se o primeiro filme de Nolan para Batman era sobe o medo e em como uma figura impotente como Bruce Wayne se apoderou deste medo em um mundo sendo devorado por ele, esta continuação trata da fragilidade do ser humano em sucumbir a esse medo em um tempo pessimista, muito como os dias de hoje. É sobre essa fragilidade humana e sobre os males que podem habituar nosso interior. É sobre escolhas, acima de tudo. É também sobre a nossa triste, trágica e corrompida sociedade, que se afunda, a cada dia, mais no obscuro. No desfecho do filme, não é apenas a figura de Batman que vai sendo devorada pelo escuro, mas nossa imagem de herói, nossa esperança. Nesse meio, diálogos brilhantes se unem aos personagens fascinantes, apoiados pela estrutura genial de toda a metragem, orquestrada por uma linguagem cinematográfica primorosa de Nolan e um roteiro monumental em sua composição. O longa não perde o fôlego, o ritmo é tão ágil que as duas horas e meia poderiam ser três inteiras que nem iríamos notar e a força de seu entretenimento tão imensa que nos manda para fora da sala como se acabássemos de ter uma epifania. Aquela realização soberba de que o blockbuster perfeito havia sido concebido. Mas limitar tudo à essa definição é lastimável.

O elenco ta impecável. A atuação do sempre excelente Christian Bale satisfaz, mas abre lugar para o brilho e o tormento da performance singular e arrebatadora de Heath Ledger, em desempenho extraordinário. Uma atuação para a história e, infelizmente, para nunca mais ser repetida pelo genial ator (destaque à cena do interrogatório, intensa e magistral). Aaron Eckhart, com um dos personagens mais interessantes da saga criminal, se revela igualmente eficiente em seu desempenho da figura trágica de Harvey Dent e sua transformação esperada, ainda que surpreendente. As três performances formam um estudo fascinante sobre a ambiguidade do homem. Sua dualidade e sua capacidade de realizar atos sombrios, oferecendo um desafio a seus personagens ao fazê-los buscarem o herói ou o vilão que existem dentro de si mesmos. E assim, surge aquela fragilidade. Notável ainda o ótimo Gary Oldman. Ainda tecnicamente primoroso, o filme foi fotografado com a mesma densidade com a qual foi escrito e os movimentos de câmera ousados capturam perfeitamente a direção de arte magnífica, evitando sempre o exagero, fazendo prevalecer mesmo o real. Não esquecendo da montagem, rítmica, acelerada e essencial, além da trilha sonora única, que realça todo a tensão, o mistério e o drama trágico do filme, atingindo um ápice excepcional ao introduzir um pouco de anarquia à alma do filme. E toda essa sincronia sinfônica é o que fez deste exemplar um dos mais belos filmes do ano, e a melhor obra do gênero. É sobre muito mais do que poderíamos imaginar. Mas, acima de tudo, é sobre como Batman é muito mais do que um herói, transformado pelas suas escolhas e modificado pelo seu meio. E se Batman é mais que um herói, assumindo sua complexidade, é necessário notar que “Batman - O Cavaleiro das Trevas” também não é um simples filme de gênero, estabelecendo seu brilhantismo.