Crítica sobre o filme "Chico Xavier":

Eron Duarte Fagundes
Chico Xavier Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 02/08/2010

Com a advertência de que a vida de um homem não cabe num filme, um letreiro introduz uma frase segundo a qual a vida de um homem não cabe num filme; seguem outras frases onde se aduz que o que um filme pode fazer é escolher os momentos importantes da vida deste homem e mostrar o que pode interessar de sua vida, dar uma ideia. Este letreiro é o introito do filme Chico Xavier, o filme (2010), dirigido com a epiderme à flor por Daniel Filho, um nome tão cinematográfico quanto televisivo no universo cultural brasileiro.

Extraído do livro de Marcelo Souto Maior (roteirizado por Marcos Bernstein, diretor de O outro lado da rua, 2004, um dos menos referidos e mais importantes filmes brasileiros da década) e centrado numa famosa entrevista televisada que Chico deu ao programa Pinga-fogo em 1971, Chico Xavier, o filme se estrutura alternando cenas retrospectivas da vida de Chico desde a infância com sequências da entrevista televisiva em que, com sensibilidade, passagens das declarações de Chico na televisão servem como holofote daquilo que ele próprio viveu ao longo dos anos, como, por exemplo, sua posição diante do sexo e sua inusitada visita a um bordel na adolescência promovida por seu próprio pai e que teve um desfecho mais inusitado.

Chico Xavier, o filme retém os defeitos e as virtudes do cinema de Daniel Filho. Sua já longa atividade na televisão superficializou seu cinema, que padece de uma ligeireza que visa à comodidade do público pronto para uma piada cinematográfica sem muitas exigências. Neste sentido, um filme sobre um homem com a gravidade espiritual de Chico às vezes se parece com uma anedota forçadamente burlesca, quase uma grosseria herética e pouco convincente. Num outro aspecto, Daniel tem a medida do cinema para dar credibilidade e veracidade a uma história de um perigoso gueto religioso, risco em que sucumbiu o artificioso Bezerra de Menezes: diário de um espírito (2008), de Glauber Filho e Joe Pimentel, interpretado por Carlos Vereza, um ator tão bom quanto Nelson Xavier, cuja caracterização na velhice do médium Chico Xavier no filme de Daniel Filho é soberba (o mesmo não se pode dizer de Ângelo Antonio, que vive com desleixo de interpretação a personagem em sua juventude e maturidade; seria preferível que Daniel decaísse de seu naturalismo televisivo e mantivesse, como o espanhol Carlos Saura em A prima Angélica, 1973, o velho Nelson em todas as fases da vida da personagem).

Falando em interpretações, Christiane Torloni (que de fato perdeu um filho em acidente como ocorre com sua personagem) tem um desempenho à flor, à semelhança do próprio filme. Seu parceiro Tony Ramos, que vive o marido da personagem de Torloni que é diretor do programa de entrevista que une os fios narrativos, se tem revelado um ator denso nos anos mais recentes, coisas que seus anos de juventude no cinema (como aquela sua interpretação de Noites do sertão, 1984, de Carlos Alberto Prates Correa) não faziam prever. A ligação dos elementos da vida do casal vivido por Torloni-Ramos com o que teria levado o médium ao programa televisivo (afora a vaidade de que nem um bom homem estaria isento) é outra das sacadas do filme.

É claro que o retrato da santificação por Daniel não teria a profundidade do italiano Roberto Rossellini (Francisco, o arauto de deus, 1950) ou do francês Robert Bresson (O processo de Joana d’Arc, 1961). Mas, mesmo assim, é um entretenimento que se recomenda.