Crítica sobre o filme "Contatos Imediatos do 3º Grau":

Eron Duarte Fagundes
Contatos Imediatos do 3º Grau Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/11/2007

É preciso que o espectador crítico se renda: poucos filmes do parque de diversões hollywoodiano conseguem sacudir com tanta impetuosidade a poeira dos tempos e impor sua emoção eminentemente visual ao observador fílmico deste terceiro milênio, como Contatos imediatos do terceiro grau (1977), de Steven Spielberg. É bom lembrar que Guerra nas estrelas (1977), de George Lucas, o primeiro filme da série, e E.T. (1982), do próprio Spielberg, trouxeram seu mofo com os anos: revisões recentes destes filmes míticos da indústria do cinema foram constrangedoras. Contatos imediatos resiste às décadas e se tornou até mais agradável de ver, apesar de muitas partes internas que poderiam ser retiradas da montagem, especialmente aquelas em que os tolos diálogos de Spielberg vêm querer dividir a cena com a intensidade da luz, em que Spielberg e seu técnico Douglas Trumbull se revelam magos de fato.

O texto que ora apresento se baseia na mais atual remontagem do filme, a chamada versão do diretor, com 137 minutos de narrativa. Em 1977 a produção foi montada às pressas para salvar a Columbia da falência. Em 1980 o filme foi remontado, foram filmadas algumas seqüências a mais e retiradas da montagem certas cenas; a remontagem de 1980 foi chamada versão especial e, entre as cenas adicionais, estava uma muito discutida, a que mostrava o interior da nave dos extraterrestres e ali no meio a deslumbrada personagem de Richard Dreyfuss. É uma cena que foi imposta pela Columbia na época e agora na versão do diretor ficou fora. Vendo-se esta cena com atenção no dvd da versão especial de 1980, nota-se que Spielberg a filmou sem muita convicção e no lugar da emoção visual que impera em toda a grandiosa seqüência final o que temos nas tomadas interiores do OVNI é um formalismo bastante estéril. Contatos imediatos do terceiro grau, sabe-se, é um entretenimento escapista em que o parque de diversões do cinema nos devora sem dó nem piedade. Spielberg confessa que fez seu filme acreditando cegamente na existência dos discos voadores; diz que para ele aquilo era um fato científico, ou seja, sua fantasia delirante de cinema foi construída com base naquilo que ele tinha por ciência. O próprio Spielberg hoje debocha de sua ingenuidade jovem: se os OVNIS existissem, por que desapareceram depois que no mundo as câmaras se espalharam por todos os lados? Ainda bem que Spielberg um dia foi jovem e bobo, assim o cinema teve este instante impagável de delírio. Mais do que jovem e bobo, Contatos imediatos edifica a babaquice de suas personagens: Dreyfuss é o protótipo do ator americano babaca que geralmente funciona. É verdade que o filme de Spielberg tenta algumas coisas que o puxariam para 2001, uma odisséia no espaço (1968), de Stanley Kubrick, como aquele objeto que aparece no morro onde desembarcam os extraterrestres e inconscientemente a personagem de Dreyfuss esculpe em casa (não é uma alusão ao monolito misterioso de Kubrick?); o diálogo de luzes e sons do final com os alienígenas palidamente se achega do corredor de luzes de 2001 (lembremos que Trumbull é o técnico de efeitos especiais tanto do filme de Kubrick quanto do de Spielberg). Sim: antes de ser reflexão e enigma, 2001 é um poderoso entretenimento do cinema. É uma obra da indústria tanto quanto da arte. Mas creio que Spielberg seria Kubrick quando pequeno; em anos recentes ele andou filmando um roteiro de Kubrick, A.I., inteligência artificial (2001).

Sem embargo de todo o aborrecimento que emana do universo familiar pequeno-burguês, é o esplendor audiovisual de Contatos imediatos do terceiro grau que se impõe a admiradores e detratores do cineasta norte-americano.

P.S.: Sobre a participação como ator do francês François Truffaut na pele do cientista apalermado Claude Lacombe, corria uma anedota nos anos 70 segundo a qual Spielberg teria convidado Truffaut para participar do elenco visando a uma ajuda do cineasta francês no controle cinematográfico das crianças em cena. Como sabemos, os filmes de Truffaut sobre crianças são antológicos, especialmente por sua doçura para levar os pequenos a "viverem"” diante das câmaras. (Eron Fagundes)