Assistir à O Curioso Caso de Benjamin Button é um exercício em fascinação. Tanto quanto o próprio filme é em si um belíssimo exercício de cinema. A curiosidade que nos desperta desde o primeiro instante do filme não se esgota até que os créditos finais tem início, e à esse ponto já fomos mergulhados em um conto profundo e comovente sobre a vida vista por outros olhos. Baseado em uma história curta sobre um homem cuja evolução como ser humano foi de trás pra frente, o filme nos coloca frente à um enredo fantasioso, mas o brilhante trabalho de adaptação de Eric Roth (Munique) torna o transtorno de Benjamin Button o mais crível possível. Por isso, é com uma imensa fascinação que vamos seguindo o desenrolar da história deste personagem tão humano e tão especial, ao invés de abordar tudo de forma indiferente. A plausibilidade aqui é chave, e Roth a constrói com uma tremenda competência. A jornada única de Button é também majestosamente realçada pela direção sempre criativa e maravilhosamente minimalista de David Fincher (Zodíaco), que constrói aqui sua obra-prima definitiva.
Com uma duração ultrapassando a marca das duas horas e meia, o trabalho meticuloso feito em cima da história reconhece o valor dos personagens que têm em mão, e valoriza cada segundo. O filme não corre, estabelecendo um ritmo primordial ao manter sua audiência atenta a todo momento mas também nunca decaindo no desnecessário ou no arrastado. É possível estabelecer uma importância concreta à todos os diálogos neste filme, que por sua vez são magníficos em suas implicações morais e na própria composição não só dos personagens, mas da própria jornada de Benjamin Button. Ou seja, é necessário reconhecer aqui não só a virtuosidade do roteiro de Roth, mas também da edição um tanto especial. Apenas um dos muitos aspectos técnicos "engrandecedores" do filme, que une-se à produção técnica verdadeiramente impecável. O primeiro a chamar a atenção é, claro, a maquiagem impressionante, e por sua vez, os próprios efeitos visuais usados com a maior das sofisticações. A trilha sonora belíssima de Alexandre Desplat (A Bússola de Ouro) tem que ser uma das melhores de toda sua carreira (e isso é dizer muito), incluindo momentos de puro êxtase, enquanto a direção de arte constrói cenários dos mais belos, realçados ainda pela fotografia, que talvez seja o elemento mais impressionante de toda a obra. A iluminação perfeita, os tons primorosos e os enquadramentos sempre primordiais. Tudo ecoa magnitude, experiência e a mais pura beleza.
Estabelecendo então essa atmosfera densa e importante que apodera-se do filme, podemos reconhecer aqueles fatores sem os quais O Curioso Caso de Benjamin Button não teria sido tão extraordinário. E é notável começar pelo elenco. Incluindo uma soberba performance de Brad Pitt (O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford), que encara as diversas facetas (e maquiagens) de seu personagem complexo. Pitt estabelece uma composição original, contida, mas com um certo brilho nos olhos característica de uma atuação digna. Ao seu lado, Cate Blanchett (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal) ilumina a tela. Nunca ela esteve tão bonita. Mas o talento ainda está lá, e Blanchett tem muitos momentos onde não falha ao nos impressionar. Ainda vale notar a ótima Taraji P. Henson (A Última Cartada), uma participação recompensadora de Tilda Swinton (Conduta de Risco) e um papel muito bonito de Julia Ormond (Eu Sei Quem Me Matou). O sentimento único que une essas atuações e esses personagens deslumbrantes é o fator crucial que transforma a experiência de se assistir à esse filme a mais bela e construtiva possível. Depositando muito sentimento e uma especial aura de magia cinematográfica, Fincher dirige com um olho certo para enquadramentos mas mais ainda, com um ouvido certo para diálogos e uma percepção única para o que é necessário de ser extraído não só dos atores em si, mas dos próprios personagens, que fazem deste filme o primor que é, ao popular esse inesquecível retrato da vida, que toca em todas as notas certas, incita as maiores reflexões e nos manda para fora completamente emocionados.
O Curioso Caso de Benjamin Button é então um filme para se poder deslumbrar. Impressionante como é em suas virtudes e interminavelmente fascinante no seu retrato, o filme é forte, poderoso e habilmente concebido. Não é só sua mensagem maravilhosa ao fim que nos marca, ou nem por isso o elo fortíssimo que é construído entre nós a audiência e seus personagens impecáveis, mas sim o sentimento reconfortante transmitido pelo longa em si que nos faz lembrar do quanto o cinema ainda pode surpreender, do quanto ainda pode ser extraordinário e do quanto ainda pode moldar nossos sentimentos. Tocante, os últimos minutos do filme carregam consigo não peso moral ou intenções de pieguice, mas uma forte constatação de nossas particularidades como seres humanos, nossa fragilidade como seres solitários e como nossas relações uns com os outros e com o próprio destino são as mais importantes de todas. O filme então te faz olhar para trás, mas mais importante, te envia para frente com uma percepção nova. Seu conto sobre a vida e sobre o destino é belíssimo, e a abordagem do romance entre seus dois protagonistas é dos mais magistrais. Não é sempre que se pode dizer isso, mas O Curioso Caso de Benjamin Button é desde já uma peça primordial no cinema, um filme que nasceu clássico e cujos valores ainda serão reconhecidos por tempos a fio. Magia assim não se compra.