Fúria de titãs (Clash of the titans; 2010), superprodução anglo-americana dirigida pelo francês Louis Leterrier, é a refilmagem destes tempos de terceira dimensão e facilidades digitais de Fúria de titãs (1981), rodado há quase trinta anos pelo inglês Desmond Davis. Hoje há quem pense que o filme de Davis é lá grande coisa: não era; suas relações com a mitologia grega são anedotárias e em nada podem remeter às complexidades poéticas e narrativas do heleno Homero. Naqueles anos se costumava defender certos filmes americanos de aventura dizendo que em Homero também havia aventura; mas bastava correr os olhos por uma única página de Ilíada para notar o abismo de fronteiras, um abismo que se situa no âmbito da semiótica, jogos de linguagem por assim dizer. Se o filme antigo era muito barulho por nada, o de hoje é mais barulho ainda por outro nada; apesar dos luxos característicos do cinema comercial e de um elenco variado e com experiência, a realização parece bastante amadorística na forma como explicita as lendárias questões de deuses, semideuses e homens da Grécia antiga; é algo como um teatrinho de colegiais mais opulento.
Todavia, assim como hoje surpreendentemente há quem eleve o valor do velho filme de Davis, pode ser que o trabalho de Leterrier tenha no futuro um destino mais afortunado. Talvez seus próprios defeitos possam ser estimados por alguns como vestígios de algo diferente, que pode contrariar um certo gosto cinematográfico e por suas características deslavadas pode também se transformar num espetáculo que possa ter alguma curiosidade. Fúria de titãs não aborrece porque se mexe o tempo inteiro; mas, por favor, não me venham evocar Homero...
P.S.: Este comentário é dedicado ao cinemaníaco gaúcho André Kleinert, que, com sua tenacidade de observação, tinha antevisto minha forma de relação com o filme de Leterrier. André amou o filme do diretor francês; ainda não sei se André conhece o filme antigo, mas imagino que deva relacionar-se bem com aquela obra de aventura dos anos 80 se a conhece ou vier a conhecê-la. Assisti ao filme ao lado de meu filho adolescente Guilherme, que me falava de uma narrativa mitológica como forma de despertar meu cérebro. Infelizmente, nem André nem Guilherme conseguiram convencer-me; permaneci quase indiferente às grandes ações dos blocos visuais do filme.