Crítica sobre o filme "Garota Infernal":

Wally Soares
Garota Infernal Por Wally Soares
| Data: 27/01/2010

Deliciosamente ousada, a ex-stripper Diablo Cody - que estreou nos cinemas em 2007 com o roteiro original de Juno, o qual lhe rendeu um Oscar - é quem dá o sabor irresistível a este Garota Infernal, uma película falha mas decididamente agradável que não dá a mínima para as regras hollywoodianas, se arriscando sem medo de retaliação em território perigoso. No longa-metragem - que, ao contrário de Juno, fracassou nas bilheterias - Cody desprende-se do lugar comum de vez e mescla de forma bizarra o terror e a comédia, em uma homage de certa forma dignificada ao gênero trash que marcou os anos 60 e 70. O filme traz consigo o espírito de um filme rebuscado e retrô, incluindo aí o desequilíbrio narrativo, mas soa como se tivesse se chocado com Hollywood de forma violenta. Em vezes, por meio dos diálogos incisivos e dos personagens interessantes, aflora-se o espírito digno de Cody. Em outras, a irregularidade predomina, o que faz transparecer que a diretora Karyn Kusama não só teve dificuldade em visualizar o script de Cody, mas a própria Hollywood se mostrou temerosa a aceitar esse conteúdo excessivamente desafiador. A originalidade assusta, eu sei.

Ao contrário do que o material de divulgação possa sugerir (e o próprio nome do filme), a estrela de Garota Infernal não é Megan Fox, e nem o corpo de sua Jennifer. Na verdade, é à Needy (Amanda Seyfried) quem o filme pertence, cuja narração oferece o verdadeiro valor emocional do projeto. O longa-metragem inicia-se dentro de um hospital psiquiátrico, onde Needy está internada. Algumas coisas curiosas acontecem lá e ela começa a contar como o destino à levou para aquele lugar. Isolada do corpo estudantil do colégio por ser uma nerd, ela é a melhor amiga de Jennifer, a líder de torcida, apenas porque cresceram juntas. Tudo começa quando ambas vão assistir a apresentação de uma banda indie em um bar local. O que começa prazeroso termina infernal quando um incêndio toma conta do lugar, matando quase todos. Needy e Jennifer fogem e, interessada pelo vocalista da banda, Jennifer parte com eles, apenas para voltar na madrugada ensanguentada e possuída por algo maligno.

O resto precisa ser deixado para a sua imaginação, até porque Garota Infernal se alimenta da criatividade exacerbada de Cody e se torna memorável exatamente pela trama que não é nada ortodoxa. Mas falta ao filme coesão e definição artística. Diversamente soa como se as ocasionais espertezas ficam soltas diante uma metragem corriqueira e indecisa quanto ao tom que pretende abraçar. Com isso, torna-se não só um filme difícil de ser aceito, mas uma obra complicada de se aproveitar por completo. E o roteiro de Cody também acaba se revelando inconsistente neste sentido. A cena que traz Needy e Jennifer em meio à beijos e carícias íntimas é muito bem filmada, mas terrivelmente deslocada, surgindo mais como se fosse um fetiche blasé inserido para deixar o longa-metragem mais sensual e provocativo. Em contraponto, os diálogos são sempre excelentes, carregados sob humor negro e clima pop que já servem de assinatura para o espírito de Cody.

Kusama possui uma bela definição estética e garante um visual eficiente, ainda que poucas vezes realmente traga algo impactante. Se perde mesmo no direcionamento da trama e do verdadeiro teor do drama, resultando em cenas ocasionalmente medíocres e tolas, muitas vezes recorrendo à recursos simplistas que realmente não combinam com o roteiro escrito por Cody. No fim das contas, o principal defeito de Garota Infernal acaba sendo a tal garota infernal. Não só pela personagem em si, que surge irregular e decepcionante na forma com que o roteiro trata seu lado demoníaco, mas pela performance horrível de Megan Fox. Não tem como não repreender a falta de talento da atriz, cujo casting totalmente burocrático se mostrou adepto apenas às qualidades estéticas da moça. Quem viu Transformers sabe que ela não sabe atuar. E em Garota Infernal ela só enfraquece o projeto.

Em contraponto, a verdadeira protagonista do filme - Amanda Seyfried - se revela uma bela revelação como a interessante Needy. Ela e Cody criam uma personagem que instiga e, de certa forma, oferece o verdadeiro equilíbrio do longa-metragem. É nela que depositamos a carga emocional que serve para elevar a película do puro exercício de estilo. Atmosfera das mais vibrantes e carregado de músicas excepcionais, estilo é o que não falta aqui, mas são nos pequenos detalhes que Garota Infernal se firma como um evento recomendável. Seja a personagem de Needy ou as sacadas sempre geniais - como a da banda indie - Cody surge sempre esperta, hábil ao ser incisiva e fugir da banalidade. Poucos filmes adolescentes são tão maduros quanto este, mesmo que se mantenha longe do obrigatório.

Completamente bizarro e esquizofrênico, Garota Infernal é para ser visto apenas por aquele que saiba desfrutar de um humor negro especialmente trash e cínico. A história realmente não mede esforços para ser louca e ousada, não encontrando limites e de fato fragilizando-se por não oferecer consistência em meio à originalidade incontestável. Então é uma obra falha e repleta de problemas incômodos, mas surge comicamente expressiva e singular de tal forma que torna-se muito difícil dizer não. Como Cinema, surge limitado e necessitando sério polimento não só no script mas na própria sala de montagem. O entretenimento que oferece, porém, é inofensivo e agrada até os créditos finais deliciosamente diabólicos. Não merece ser reconhecido em nenhum nível cinematográfico mais apurado, mas certamente merece ser visto pelo frescor que traz a tona. Tem cheiro de cult.