Crítica sobre o filme "Nine":

Eron Duarte Fagundes
Nine Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 20/05/2010

O nome da personagem central de Nine (Nine; 2009), um musical ambíguo e descosido do norte-americano Rob Marshall, é Guido Contini. É um cineasta em crise: não sabe o que fazer com seu desejo de fazer cinema. Sua vida de diretor está cercada de suas relações com as mulheres, da esposa às amantes passando pelos encontros eventuais com as fêmeas humanas. Uma atriz candidata a aparecer num de seus filmes estereotipa seu universo como um olhar sobre o fim da religião e o começo da revolução sexual; um sacerdote o recebe para elogiar seus filmes fazendo um reparo: para que tanto sexo? O Guido de Marshall (interpretado por um grande ator, Daniel Day-Lewis) é uma caricatura despropositada de Guido Anselmi, a personagem central de Oito e meio (1963), do italiano Federico Fellini; e como o Guido de Fellini era um alter ego de Fellini, pode-se dizer que o Guido de Marshall é um retrato espúrio e falsificado das inquietações artísticas, morais e humanas do grande realizador italiano.

Nine é um filme frustrante e incômodo porque Marshall não sabe fazer cinema. Suas pretensões intelectuais esbarram na sua incompetência para articular os elementos cinematográficos à sua disposição. Difuso, confuso e estranhamente pesado para um musical hollywoodiano, Nine deve desagradar tanto aos que se deixam levar sensorialmente pelo entretenimento quanto aos que se preocupam com submeter a diversão (que o cinema nunca deixa de ser) ao pensamento crítico.

Não é a primeira vez que Oito e meio é refeito numa tela de cinema. Bob Fosse, outro norte-americano e que é outra influência perceptível em Marshall, recontou a trajetória dum diretor de cinema à beira do nada em O show deve continuar (1979); mas Fosse ultrapassa a sombra do mestre e impõe sua própria personalidade, conciliando admiravelmente o espetáculo com a reflexão.

Demais, se Nine não vale grande coisa, para o olhar do observador há alguns deleites ao deparar com intérpretes como Sophia Loren (musa do cinema italiano que curiosamente nunca atuou sob Fellini), Penélope Cruz (que alguns comparam com um Sophia de nosso tempo), Nicola Kidman, Judi Dench e Marion Cotillard. É pena que não seja suficiente para o espectador aguentar com paciência as quase duas horas de aborrecido filme.