Crítica sobre o filme "Sherlock Holmes":

Wally Soares
Sherlock Holmes Por Wally Soares
| Data: 21/05/2010

Para um diretor que especializou-se em fitas policiais violentas e subversivas, utilizando de altas dosagens de ironia e sexualidade, Sherlock Holmes parecia muito distante. Portanto, é bastante inesperado que encontremos o nome de Guy Ritchie ao final dos créditos da obra e – mais ainda – que o resultado tenha sido realmente agradável. Ainda que não demonstre nenhuma relevância maior que a do entretenimento, o Sherlock Holmes de Ritchie é muito eficiente no que propõe e introduz o detetive para a nova geração de uma forma idílica, em impressão tão boa que certamente conquistará o público a ponto de carregá-los para salas de cinema ao redor do mundo assim que uma nova aventura aportar pelas telas. Fato este, aliás, que já está confirmado. E deveria. Ritchie realizou um filme realmente bom e, graças ao personagem delicioso, tem em mãos muita história (boa, espero) pela frente.

 

Baseado em personagens clássicos de Arthur Conan Doyle, o longa-metragem narra o dia a dia nada convencional do detetive Sherlock Holmes (Robert Downey Jr.), um homem cuja observação e meticulosidade lhe deu a notoriedade de gênio. O doutor John Watson (Jude Law), sempre ao seu lado, lhe serve de assistência e companheirismo. A trama inicia-se em uma tentativa de assassinato do Lord Blackwood (Mark Strong), que é frustrada mediante os esforços da dupla. Sentenciado ao enforcamento e logo declarado morto, não delonga até que ressuscita, deixando todos perplexos e temerosos. Cético diante das ocorrências, o detetive Holmes continua sua investigação, que complica-se consideravelmente ao passo que mais cadáveres começam a tumultuar-se e uma donzela de seu passado reaparece.

 

Ainda que o detetive não seja um estranho a minha pessoa, torna-se válido ressaltar que as obras originais de Doyle são desconhecidas e, portanto, a análise isolará a origem do mítico personagem. Assim sendo, Sherlock Holmes é uma obra acessível que introduz o detetive a um público até então ignorante de uma forma bastante clara e sofisticada. Holmes aparece rico em detalhes e com uma personalidade excêntrica, recebendo camadas extras graças a performance genial de Robert Downey Jr.. Não é apenas charme e cinismo que o ator traz ao papel, mas singularidade e uma caracterização realmente rica. Seu Holmes é quase um super-humano com suas habilidades, mas o talentoso ator nunca permite que ele torna-se artificial ou distante. Suas minuciosidades são bem realçadas, o ator se diverte no papel e, ainda que os destaques se dêem ao lado de Watson, cenas como a que o coloca no meio de um restaurante, fechando os olhos para se descansar do excesso de informação, realmente elevam a obra à um nível mais interessante.

 

Mas Sherlock Holmes não é um filme sobre o personagem. Se concentra na maior parte do tempo no dinamismo entre Holmes e Watson, que surgem aqui como dois grandes amigos cuja parceria é ameaçada pelo noivado do último. A química produzida entre Downey Jr. e Law é ótima, e este último compõe Watson com uma personalidade memorável. Ou seja, o núcleo emocional da obra reside entre os dois. Mas Ritchie – e os quatro roteiristas – ficam mais interessados na engrenagem de uma trama que é muito mais grossa do que deveria, já que a certo momento da metragem percebe-se que a audiência está tão cansada quanto os personagens diante da busca pela resolução do mistério. São complicações que podem surgir necessárias para uma trama policial investigativa, ao deixar tudo mais curioso. Mas, conforme a trama se desenrola, os mistérios propostos pelo script começam a se tornar nebulosos e inconsistentes. Tudo só se torna claro, obviamente, ao clímax, quanto tudo se é resolvido por Holmes com sua astúcia singular. Mas a cena em si surge expositiva demais, diluindo o peso das respostas tão esperadas. De forma superficial, porém, não tem como não se deliciar pela forma com que todos os eventos foram orquestrados pelo vilão curioso e, claro, pela forma um tanto brilhante com a qual Holmes resolve o caso em questão.

 

Tecnicamente, Sherlock Holmes apresenta-se realmente formidável. A fotografia encontra uma excelente paleta, algo que reconhecemos logo de início. Decepciona, porém, ao optar por enquadramentos mais fechados, não permitindo uma visualização mais sóbria de cenas que poderiam ter sido mais visualmente excitantes, especialmente já que a direção de arte é um verdadeiro primor. Une-se ao figurino ao compor uma época da qual nunca sabemos exatamente qual é. A montagem é essencial nos momentos em que o roteiro apresenta as revira-voltas habituais (sempre divertidas), enquanto a trilha sonora de Hans Zimmer alça a aventura para os ares, em composições excitantes e virtuosas. As sequências de ação são muito competentes e Ritchie brinca com o humor em meio ao caos de forma espirituosa, o que faz jus ao próprio Holmes em pessoa.

 

Sherlock Holmes é do tipo de filme de aventura que diverte de início ao fim, inicia-se de uma forma altamente empolgante e finaliza-se com o mesmo furor. Portanto, surge claramente como um blockbuster dos mais dignos. Sua sofisticação vai além da técnica para introduzir ótimos personagens, excelentes atuações e uma trama que realmente instiga. É uma pena, então, que o roteiro escrito a quatro mãos tende a se perder em banalidades habituais. Ao passo que também sucumbe à sacadas pouco inspiradas e diálogos ocasionalmente bobos. Enquanto isso, Ritchie enfrenta um grande desafio ao conectar-se com as raízes de Holmes, diversamente optando por caminhos corriqueiros e um excesso de vertigem visual. Dignos do cinema prévio do cineasta. Contra todos seus pesares e desventuras, é uma obra muito boa que claramente merece uma recomendação. Diversão sem culpa, por assim dizer.