É engraçado e sempre interessante como um filme pode ter vários níveis de leitura. Como vídeogame, “Stealth” é divertido (parece que é uma palavra que os militares usam para objetos que não podem ser localizados pelo radar). Moralmente, é uma exaltação à violência, um delírio de explosões. Como político, é mais uma afronta dos americanos, demonstrando para o resto do mundo que são eles que mandam em tudo, fazem o que querem, atacam e invadem o que quiserem, fazendo vítimas, civis ou não. Assim, podem explodir um edifício inteiro (inacabado, onde estão reunidos terroristas) em Ragoon, depois atacam numa república esquecida da antiga União Soviética, cujo espaço aéreo é invadido descaradamente. Para não falar da mocinha, que cai em território da Coréia do Norte, e foge pela zona desmilitarizada, que vira terra arrasada. Tudo em nome da defesa da América e da luta contra terroristas! Como roteiro, embora tenha sido feito por um autor de renome (e suspeito até que em tom de sátira, que o diretor não seguiu), é um pastiche de vários clichês, alguns deles óbvios - começando pelo avião super-moderno, sem piloto, que pensa, controla a si próprio e espiona os outros (como o computador de 2001, Uma Odisséia no Espaço). A ação nos céus russos é tirada de Doutor Fantástico (ou Limite de Segurança, que tem a mesma idéia). Um avião como esse já foi mostrado num filme de Clint Eastwood, dos piores que ele já fez (Firefox).
O pacote todo dá a impressão de ser um novo Top Gun (aberta propaganda da força aérea americana, misturada com uma história entre colegas oficiais, que não pode ser realizada por causa de regulamentos). Só que não deu certo. O filme, que custou 130 milhões de dólares, não teve renda maior do que 30 milhões nas bilheterias americanas (se bem que esse lado vídeogame deva funcionar melhor depois, em DVD). Ou seja, é um mega-desastre, o que também é explicado por seu elenco. Alguém pode explicar que agente estúpido aconselhou Jamie Foxx a aceitar um papel secundário (ele some meia hora antes do final) e totalmente clichê, justamente após ter feito Ray (ainda não tinha ganhado o Oscar, porém era pouco difícil prever)? Chega a ser constrangedora sua presença ao lado do casal central: o antipático Josh Lucas (mais adequado para vilões) e Jessica Biel (Blade: Trinity), que poderia ser substituída literalmente por qualquer uma. O resto do filme, fora a arrogância americana (se fossem assim tão competentes, já teriam encontrado Bin Laden e não estariam levando nova surra no Iraque, e assim por diante), é um enorme suceder de efeitos especiais, movimentados e até divertidos.
Mas também clichês: a nave que não precisa de piloto num certo momento enlouquece, desobedece ordens, provoca mortes (como sempre, para eles, um americano vale a morte de milhares de outros cidadãos de qualquer país). Mas a resolução do problema é fácil demais. Como também é muito simples colocar o bom militar comandante contra o mal militar que erra ao tomar decisões - mas sempre bem-intencionado e até honrado (Sam Shepard) - este tendo uma ligação com um político lobista, que só é visto através de janelas e nunca identificado (recomendam ver o final, depois dos letreiros, coisa que eu não fiz).
Falta ainda dizer que nada faz muito sentido, dramaticamente: os heróis escapam de situações absurdas, falam um jargão incompreensível, e nem mesmo a nave central é um stealth! Enfim, depois perguntam porque os cinemas estão tendo baixas bilheterias. Óbvio, com filmes como este...