Crítica sobre o filme "Up: Altas Aventuras":

Wally Soares
Up: Altas Aventuras Por Wally Soares
| Data: 28/11/2009

Existe algo tão mágico na sequência de “Up: Altas Aventuras” onde uma casa alça vôo com a ajuda de milhares de balões que, de imediato, é impossível não sentir seu espírito elevar-se também. Em síntese, é esse sentimento que se carrega em quase todos os planos desta linda animação, provando que a Pixar é mesmo o estúdio mais brilhante a surgir no século XXI - e não me refiro exclusivamente às animações. Há muito tempo a animação deixou de ser um gênero, diversamente transcendendo filmes de live-action. Então, “Up” não só é a melhor animação do ano, mas um dos melhores longas-metragens. Dotado de um maduro senso de sensibilidade, é uma obra singular nos personagens que constrói e nas emoções que exemplifica de formas tão intensas. Ao fim do filme, você sabe que testemunhou algo destinado à eternidade. As imagens permanecem contigo, a trilha ecoa fortemente em sua mente e os personagens brotam dentro de seu espírito.

Quando o filme começa, somos introduzidos à Carl, um garotinho com espírito de aventura que sonha em um dia poder ser como seu ídolo, Charles Muntz. Num belo dia, caminhando de volta para casa depois de uma ida ao cinema, ele conhece Ellie, uma histérica garotinha que parece ter o mesmo senso de aventura. A amizade se transforma em algo mais e, com o passar dos anos, ambos se vêem vivendo um romance. A vida então adia os planos deles de embarcarem em aventura para a América do Sul. Já idosos, são separados pela morte. A terna e comovente história de amor entre Carl e Ellie é contada em uma bela sequência de apenas alguns minutos, sem diálogo algum. Sob a linda trilha de Michael Giaccino, almeja nos trazer às lagrimas antes do filme atingir a faixa dos 15 minutos iniciais.

Depois de emocionalmente arrasada, a platéia é elevada pelas ocorrências posteriores, que colocam um solitário (e rabugento) Carl tendo que tomar medidas drásticas após a ameaça de se mudar para um asilo: na tentativa de cumprir o desejo não concretizado de Ellie, ele amarra milhares de balões à sua casa e alça vôo em direção ao sul. O que ele não esperava era que Russell, um garotinho escoteiro, o estava acompanhando. E assim se inicia “Up”, a animação da Pixar mais recheada de aventura e humor desde “Os Incríveis”, nos cativando com cada imagem e nos deliciando com cada diálogo. O roteiro é uma maravilha, recheado de bravas nuances e acertadas emoções. As piadas nunca soam batidas, as referências são sempre bem-vindas e os personagens estão sempre em primeiro plano.

O que se percebe, durante a metragem, é que o estúdio da Pixar atingiu certa maturidade incontestável. Filme após filme, agraciam com originalidade e rara ternura. “Up” é exemplo forte de emoções poderosas escondidas por trás de ambições afáveis. Você pode estar nas gargalhadas em um segundo e, em outro, realmente emocionado. Os personagens surgem muito reais e profundos. É especialmente interessante a forma como Russell e sua situação paternal é tratada, com uma sutileza magnífica invisível aos olhos da criançada. São estes sóbrios detalhes que, no fim das contas, alçam “Up” para um pedestal, a ser apreciado por qualquer tipo de pessoa de qualquer idade. Quando o humor rola solto, ele é genuíno. Ao passo que a aventura incessante propulsiona o fôlego. Mas cenas singelas como a que traz Carl, um livro e a composição “Stuff We Did”, podem fazer seu coração parar.

Não existem poucos elogios à obra. É a melhor do estúdio? Não. Mas nem por isso merece ser celebrada menos. Tecnicamente, traz consigo todos os detalhes e beleza atmosférica que sempre ecoam nas animações do estúdio. Mas “Up” representa um desafio menor em tal aspecto. Parece que os cineasta optaram aqui por uma simplicidade. Oportuna, claro. O visual é sempre imensamente belo. Certas imagens carregam consigo milhões de palavras e sentimentos (como a das duas cadeiras lado a lado no topo da montanha). É fácil, então, cair nas graças de “Up: Altas Aventuras”. É um entretenimento delicioso que, como aquele chocolate mais puro e simples, pode liberar forte dose de endorfina e, quem sabe, até fazê-lo se apaixonar irremediavelmente. Eu sei que eu fui.

Quando “Up: Altas Aventuras” termina, permanece uma sensação contundente de sucesso e felicidade, quase como se fosse você quem partiu para aquela aventura extraordinária e terminou tocando a vida de um garotinho que ansiava por amor. É, sem dúvida alguma, um exemplo de valores e virtudes, envolvidos em um pacote dos mais irresistíveis. No mais, se entregue de corpo e alma para Pete Docter e Cia., morra de rir com a voz hilária de um dos vilões caninos, se envolva com a dinâmica autêntica entre a juventude e a velhice, amoleca-se com o cachorro Doug declarando seu amor, e simplesmente alce vôo. “Up” certamente lhe levará para longe. Tão longe que, para tirar sua cabeça das nuvens e colocar seus pés no chão, será preciso um belo esforço. Mas quem quer ficar no chão quando podemos voar com a Pixar?