Em O anjo exterminador, o cineasta espanhol Luis Buñuel realiza uma de suas obras mais radicalmente surrealisats, não o surrealismo sutil e de ritmo mais clássico dos trabalhos que assinou no fim de sua filmografia, como Tristana (1970) e Esse obscuro objeto de desejo (1977). Em O anjo exterminador a sucessão de eventos estranhos (um pesadelo) interfere na aparente tranqüila beleza da imagem criada pelo fotógrafo Gabriel Figueroa; esta imagem está um pouco deformada pelos solavancos surrealistas de Buñuel. Apesar de originar-se dos retratos burgueses intelectuais europeus praticados por diversos cineastas nos anos 60 (o italiano Michelangelo Antonioni, o francês Robert Bresson, o polonês Roman Polansky, os franceses Jacques Démy, Jean-Luc Godard e Louis Malle), a burguesia que topamos em O anjo exterminador é a de um espelho distorcido, exagerado, uma sub-realidade.
Encarcerados numa mansão da rua Providência (a primeira imagem da narrativa mostra uma placa com o nome da rua; depois a câmara se afasta para revelar o movimento da rua àquela hora da noite), um grupo de burgueses descobre que, passada um período noturno integral, não consegue sair de casa. O clima claustrofóbico torna a narrativa aos poucos asfixiante, especialmente quando expõe os delírios das personagens (uma mulher, sozinha no escuro, vê uma mão andar pela sala) e sua violência (uns culpam os outros pela situação em que vivem).
Fugindo a qualquer tentativa de metaforizar as coisas racionalmente (seria a casa símbolo da prisão burguesa? seria a prisão um símbolo religioso do inferno, como deixa entrever o aparecimento de ovelhas e um urso e a missa final, em que os padres se perguntam por que depois de todos os fiéis terem ido embora eles, padres, permanecem?), Buñuel tenta atingir o irracional da emoção das pessoas.
Como acontece com todos os clássicos, O anjo exterminador deixou seu rastro de influência. O processo de repetição de cenas na montagem foi reaproveitado por outro espanhol, Carlos Saura, em Elisa, vida minha (1977). Quase ao cabo de O anjo exterminador irrompe na faixa sonora uma multidão de vozes e uma destas vozes, de criança, sussurra: “Não tenho sono”. Esta frase seria seguidamente repetida pela pequena Ana Torrent ao longo da narrativa de Cria Cuervos (1976), um dos grandes filmes de Carlos Saura.