Ainda hoje um cineasta em plena forma de seus recursos cinematográficos, como se viu no extraordinário O pianista (2002), o polonês Roman Polanski teve em O bebê de Rosemary (Rosemary’s baby; 1968) um de seus filmes mais aterradores. Ambientado numa Nova Iorque muito pessoal, recriada com as cores sombrias e nuançadas da clássica fotografia à americana de William Fraker, este clássico de Polanski, inspirado num romance de Ira Levin, mostra como a vida pacata dum casal pequeno-burguês da grande metrópole se altera quando o marido faz um pacto com bruxos e o diabo: para ter sorte em sua carreira de ator, aceita que sua esposa engravide do demônio, gerando ao final seu assustador filhinho demoníaco, cuja elipse de imagem é um dos achados do cineasta (o terror fica na face da atriz-personagem que vê seu estranhamente indescritível bebê).
Se Deus está morto (nada a ver com Nietzsche) e Satã reina (quase nada a ver com Goethe), tudo é possível: o sobrenatural torna-se natural. Polanski começa sua narrativa com tensas panorâmicas aéreas de Nova Iorque e vai concluí-lo com um semelhante plano aéreo da cidade; entre um movimento e outro todas as personagens são conquistadas pelo mal, inclusive a resistente protagonista, que ao cabo aceita assumir a maternidade do perigoso ser e embala o berço.
É curioso observar a marca de Polanski em sua direção de atores. Basta atentar para as semelhanças entre a caracterização da francesa Catherine Deneuve como a manicure de Repulsa ao sexo (1965) e a de Mia Farrow como a grávida de O bebê de Rosemary: gestos faciais e corporais muito próximos, as caminhadas pelas ruas tão patéticas numa quanto noutra. O ator e diretor John Cassavetes faz um típico americano de classe média com um brilho incomum. E que dizer da veterana Ruth Gordon, que faz de maneira exemplar a boa-malévola vizinha? Tudo neste filme funciona com bastante maestria.
É sempre bom rever e reavaliar a permanência de uma obra cinematográfica que marcou as discussões de estética fílmica em determinada época.