A crueldade da guerra para com os seres humanos desprotegidos é um dado sobre o qual o cinema se tem debruçado. Mas nenhum ser humano é mais desprotegido do que a criança, que não faz a guerra e no entanto sofre terrivelmente seus efeitos. Brinquedo proibido (Jeux interdits; 1952), rodado pelo francês René Clément, é uma narrativa acadêmica em sua linguagem e de emoções epidermicamente fáceis para o público; mas sobrevive bem à passagem dos anos graças ao coeficiente de sinceridade que o realizador insuflou em suas imagens: corre por trás de cada enquadramento um dilaceramento das questões que aborda capaz de fazer com que o filme transcenda a si mesmo.
É verdade que Clément não tem o rigor formal do russo Andrei Tarkovsky, que em A infância de Ivã (1962) foi terrivelmente amargo ao mostrar um garoto, cuja mãe morreu, perdido entre os destroços bélicos. Nem se pode pensar que Clément tenha a aspereza de formas do italiano Roberto Rossellini, que numa cena de Paisà (1946) filma o choro agudo dum bebê diante dos cadáveres dos pais. Mas Brinquedo proibido é provavelmente o ponto alto da carreira de Clément, um cineasta francês bem comportado que assinou produções curiosas como O sol por testemunha (1959) e O passageiro da chuva (1969) e um sucesso comercial da década de 60, Paris está em chamas? (1966).
No começo do filme, quando a garotinha sai desesperada atrás de seu cãozinho que lhe escapou, os pais da menina, indo desesperados no encalço dela que por seu animalzinho arrisca-se no bombardeio, são atingidos pelas bombas, e morrem. Ela conhece o pequeno Michel e sua família e ali se integra até a separação final. Todo o filme acompanha os passos desta amizade infantil que é um hino contra a brutalidade da guerra. E dá gosto ver o desempenho sensível da pequena Brigitte Fossey, que depois faria carreira no cinema (seu olhar fixo e perplexo para os cadáveres dos pais logo depois de serem alvejados é um dos eventos emocionais da história do cinema), e do garotinho Georges Poudjouly, que não me lembra tenha continuado a fazer filmes: os dois atores mirins são tudo o que não há no artificialismo das atuais interpretações infantis gerenciadas por Hollywood.
De fato: Brinquedo proibido, que vi há mais de vinte anos numa daquelas mostras de cinema que então eram abundantes em Porto Alegre, merece ser descoberto, agora em DVD, pelas novas gerações de cinemaníacos.