Na época em que rodou Crimes e pecados (Crimes and Misdemeanors; 1989), o cineasta norte-americano Woody Allen estava cada vez mais inserido numa discussão espiritual de que o cinema habitual anda eternamente afastado. E entrava nestas questões sem perder seu público cativo, sem se tornar veneno de bilheteria, como tem ocorrido com seus mestres franceses Robert Bresson e Eric Rohmer, que não conseguem arrebatar tanta gente. Isto se dava porque, à luz de suas reflexões existenciais, o realizador sempre foi capaz de manter acesa a chama da comunicabilidade em que o cinema americano – digam o que disserem nossos torcidos narizes - se revela mestre insubstituível.
Crimes e pecados é dos mais acabados exemplares da maturidade artística de Allen. O questionamento que ele expõe neste filme é uma abstração cinematográfica, como aquelas realizadas por Bresson na França: ambientada na alta burguesia nova-iorquina, a narrativa torna os cenários e a classe social por onde suas imagens atravessam em algo abstrato, realçando a discussão moral, extraída certamente das leituras dostoievskianas de Allen.
A fita se parece muito com algumas realizações da fase do sueco Ingmar Bergman dos anos 70. O fotógrafo Sven Nykvist é o mesmo de Sonata de outono (1978), de Bergman, e parece até repetir alguns processos de iluminação daquele filme. A danação da protagonista de Crimes e pecados se aproxima da tortura física e moral das irmãs de Gritos e sussurros (1972), o mais alto ponto do cinema de Bergman.
A acrescer ainda que é um dos poucos filmes de Allen em que, mesmo se colocando como ator, ele se retrai para uma personagem secundária, o papel dum diretor de cinema que se põe à distância como iluminando o drama da personagem central, o milionário que enfrenta a culpa quando aceita que seu irmão mande matar a amante que importuna a ele, milionário.