Crítica sobre o filme "Despertar dos Mortos, O":

Jorge Saldanha
Despertar dos Mortos, O Por Jorge Saldanha
| Data: 18/05/2015

Este O DESPERTAR DOS MORTOS (DAWN OF THE DEAD, 1978), lançado nos cinemas do Brasil em 1979 com o título de ZOMBIE – O DESPERTAR DOS MORTOS, sempre foi um dos meus filmes preferidos dos anos 1970. Ele me lembra os ciclos de terror e de ficção científica do saudoso Cine Bristol, aqui em Porto Alegre, onde eram exibidos filmes de gente como Romero, Carpenter, Cronenberg, Dante, etc. Hoje, apesar dos quase 40 anos de avanços cinematográficos e de uma infinidade de produções do gênero (em especial a bem sucedida série de TV THE WALKING DEAD), este segundo título da Trilogia dos Mortos de Romero (que após um longo hiato desde DIA DOS MORTOS retornou com novas produções, mas sem o mesmo pique de antigamente) ainda mostra porque teve tanta importância e influência para um sem número de cineastas e profissionais que passaram a se dedicar aos filmes de horror e suspense.

Além de contar uma história de horror, Romero, e outros cineastas da época que se aventuraram no gênero, buscavam provocar o espectador, tirando-o da experiência passiva que é, normalmente, assistir a um filme. Assim, além do susto e do nojo provocado pelas cenas mais violentas (que hoje ganham um ar até divertido, graças aos efeitos de maquiagem primitivos), o espectador de O DESPERTAR DOS MORTOS é levado a refletir sobre o que está vendo, e mais, sobre o que está por trás da narrativa – que também inovou ao mesclar elementos de terror e podreira com humor, e introduziu uma personagem feminina forte (Gaylen Ross) cuja função não era apenas gritar, fugir dos monstros e ser salva pelos homens. Nos seus filmes de zumbi, e em especial neste, Romero buscava satirizar a sociedade através dos seus patéticos desmortos, que em sua ânsia de aplacar a fome, eram transformados no consumidor ideal e definitivo – por mais carne humana que ingerissem, sua fome nunca era aplacada.

Em O DESPERTAR DOS MORTOS a sociedade de consumo é cutucada em dois níveis – um de ambientação, que é o shopping onde transcorre a maior parte da ação; o outro é o do comportamento de zumbis e humanos em pleno templo do consumo. Os primeiros, movidos pelo instinto, reproduzem mecânica e atrapalhadamente o que faziam no shopping quando vivos: sobem e descem as escadas rolantes, olham abobalhados as vitrines, perambulam pelos corredores… os humanos, por sua vez, quando livres da ameaça dos zumbis, satisfazem seus sonhos de consumo sem precisarem gastar um único tostão. A mensagem de tudo isto é que vivos, mortos ou mortos-vivos sempre terão um alto preço a pagar por uma vida baseada apenas no consumismo.

Mesmo na competente (e ótima, caso raro) refilmagem de 2004 MADRUGADA DOS MORTOS, dirigida por Zack Snyder, a metáfora canibalismo / consumismo foi suavizada, sendo tratada de forma mais discreta e com bem menos humor. E falando na refilmagem, é bom deixar registrado que Ken Foree (Peter) e Tom Savini (o líder da gangue de saqueadores e responsável pelas maquiagens dos zumbis) nela fizeram pequenas pontas, em homenagem ao filme original. Por fim, merece destaque a trilha sonora do cultuado grupo de rockprogressivo italiano Goblin (que criou a trilha de muitos filmes de horror do diretor Dario Argento, que aqui, além de ajudar na trilha sonora, também é um dos produtores e montou a versão europeia do filme).