Crítica sobre o filme "Elefante":

Eron Duarte Fagundes
Elefante Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 19/12/2004

De onde vem a morbidez que emana, meio subterraneamente, das imagens de Elefante (Elephant; 2003)? Toda a narrativa do filme (à exceção do final) se debruça sobre o cotidiano, geralmente o cotidiano escolar, de alguns alunos dum colégio norte-americano de interior; não há nenhuma cena que justifique este incômodo sentimento de estranheza e dor que o espectador capta aqui e ali, tem-se às vezes a impressão de que as coisas não avançam, de que nada ocorre do ponto de vista dramático, assim como naqueles clássicos do italiano Michelangelo Antonioni. De onde vem, pois, esta coisa indefinivelmente incômoda que nos assalta desde o início em cada fotograma? Quem conhece o estilo de filmar do realizador Gus Van Sant sabe de onde vem isto. Em Elefante Van Sant atinge talvez seu ponto cinematográfico mais impressionante. Depois das indecisões comerciais e artísticas de Encontrando Forrester (2000), com um Sean Connery em estado de graça, o cineasta abre inteiramente sua estética em Elefante.

A atmosfera doentia e perversa de Elefante vem da peculiar utilização da imagem, um jeito de enquadrar o cenário, uma coloração especial da fotografia, aqui o excesso de luz esbranquiça uma passagem de cena sem cortes, ali um tom visual mais forte parece agredir a visão, uma montagem de ruídos e silêncios inquietante. A câmara de Van Sant está sempre em movimento em Elefante e isto pode tornar enervante seus planos-seqüência tão próximos do vazio formal, um vazio formal menos barulhento e mais secreto que aquele de Quentin Tarantino em Kill Bill, volume 1 (2003). Como em O anjo exterminador (1962), de Luis Buñuel, e em Elisa, vida minha (1977), de Carlos Saura, Van Sant recoloca na montagem, em situações e angulações diferentes, cenas já vistas em momento narrativo anterior; é um hábil jogo do tempo cinematográfico que confere a Elefante acréscimos de beleza e inteligência fílmicas.

Extremamente curto para os padrões dos filmes de hoje (oitenta e um minutos) e contando com um fecho abrupto de que as narrativas atuais, muito abotoadas, dasabituaram o observador, Elefante é um dos poucos destaques cinematográficos que apareceram em Porto Alegre neste primeiro semestre de 2004.