Crítica sobre o filme "Ensaio de um Crime":

Eron Duarte Fagundes
Ensaio de um Crime Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 18/08/2004

Os filmes que o espanhol Luis Buñuel rodou no México entre os anos 40 e 60 são atualmente passados por alto pela crítica. Seria uma fase eminentemente comercial do genial cineasta, como ele próprio confessou em sua autobiografia, ressalvando que nunca pôs diante de suas câmaras uma cena que contrariasse suas convicções pessoais e morais. Há duas exceções entre as realizações mexicanas de Buñuel: Os esquecidos (1950) e Nazarin (1958) estão ali para lembrar que Buñuel ainda era um grande artista.

Ensaio de um crime (Ensayo de um crímen; 1955) está longe de tangenciar o rigor e a profundidade do mestre de Tristana, uma paixão mórbida (1970). Mas oferece algumas curiosidades analíticas que permitem identificar a assinatura de Buñuel.

A visão de uma infância perversa já aparece desde as primeiras imagens, quando o protagonista evoca um episódio de sua meninice, o dia em que uma bala perdida da revolução mexicana atingiu sua babá e ele fantasiou que a tinha matado, deliciando-se com o sangue que jorrava de seu pescoço. Este sangue de babá vai persegui-lo a vida toda, em todas as mortes de mulheres que desejou e se concretizaram à revelia de sua ação criminosa; primeiro foi uma freira enfermeira que ele queria assassinar, mas ela fugiu dele, escorregando pela porta ausente de um elevador vindo a cair no fosso; e outras e outras mulheres que ele desejava meio platonicamente ao mesmo tempo em que queria tirar-lhes a vida.

A narrativa padece de um certo artificialismo de encenação que surpreende num narrador experimentado como Buñuel. A fragmentação surrealista não se realiza plenamente: os símbolos cênicos são empacados.

Há uma curiosidade entre vida e filme contada pelo próprio Buñuel: a atriz Miroslava se suicidou pouco tempo depois, por questões amorosas, e foi cremada; lembremos que no filme o manequim feito à imagem da atriz era incinerado num forno pelo ator Ernesto Alonso.