Em O evangelho segundo São Mateus (1964) o cineasta italiano Píer Paolo Pasolini reconta, de maneira original, o nascimento, a vida e a morte de Cristo. Seu filme nada tem de comum com a grandiloqüência dos superespetáculos de Hollywood que trataram do tema; sua versão da muita conhecida história das origens da cristandade está calcada no modelo neo-realista, que buscava o máximo de sinceridade popular para a confecção do estilo cinematográfico. Para começar, o Evangelho de Pasolini é um pobre filme em preto-e-branco, ambientado nos cenários naturais da rude Sicília (a mesma terra da obra-prima O bandido Giuliano, 1962, de Francesco Rosi), sem a cor, a riqueza de figurinos e as construções de estúdio que estão presentes em espetáculos como O rei dos reis (1961), de Nicholas Ray. Indo mais além em sua afeição pelo neo-realismo, Pasolini vale-se de atores sem nenhum senso do chamado profissionalismo cinematográfico, e se colocam livremente no ângulo da câmara, dizendo os textos bíblicos sem nenhum pingo de dramaticidade; o resultado é uma narrativa despojada, crítica, de emoção contida.
Um avançado exercício estilístico, radical como tudo o que Pasolini fez, O evangelho pode reforçar o debate em torno das origens literárias do cinema de Pasolini. Na verdade, nenhuma arte é uma ilha isolada; e Pasolini usa sua possível literatura em seus filmes com agudo senso cinematográfico.