Crítica sobre o filme "Feios, Sujos e Malvados":

Eron Duarte Fagundes
Feios, Sujos e Malvados Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 09/03/2005

Nas imagens iniciais de Feios, sujos e malvados (Brutti, sporchi e cattivi; 1976) um movimento de câmara na escuridão vai lenta e precariamente revelar-nos um amontoado de seres humanos pertencente a uma família que vive em sub-habitação nas redondezas de Roma; o cenário da favela italiana é duro e rude como qualquer ambientação de miséria em qualquer parte do mundo. Mas a depuração estilística da filmagem confere uma inusitada dignidade estética à miséria. No fim do filme um novo movimento de câmara que forma um plano-seqüência vai transitar pelo mesmo cenário reconstruído e com as mesmas personagens; mas esta cena final substitui o escuro do início por uma claridade que melhor permite identificar quem está diante da objetiva. Entre a quase ausência de vista que abre a narrativa e os refletores claros que desabrocham na conclusão desta comédia negra, o filme mostra ao espectador o caminho do entendimento social: do breu à iluminação de cena.

Na verdade, Feios, sujos e malvados, visto em seu tempo entre obras-primas como Nós que nos amávamos tanto (1974) e Um dia muito especial (1977), não parecia assim tão importante; mas os anos se encarregaram de dar-lhe a estatura merecida. Sua visão claustrofóbica, cruel, sarcástica da promiscuidade da miséria num cortiço romano tem o frescor da melhor fase do cineasta italiano Ettore Scola, cujo academicismo de filmar nos anos 90 do século XX parece ter colocado seu cinema num beco sem saída.

Feios, sujos e malvados está perfeitamente inserido dentro das características da obra de Scola, cuja vertente neo-realista foi transformada pelas inquietações políticas e sociais da década do século passado. Certo: a miséria é estilizada por Scola, há uma super-elaboração formal que se reflete inclusive na interpretação de Nino Manfredi, cuja atuação é uma daquelas peças de antologia que só os antigos e grandes atores italianos logravam dispor diante das câmaras. Mas Feios, sujos e malvados se adianta a seus próprios defeitos para interessar vivamente ao espectador graças à mestria de Scola, que domina os espaços cênicos como poucos.