Crítica sobre o filme "Hannah e Suas Irmãs":

Eron Duarte Fagundes
Hannah e Suas Irmãs Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 29/01/2004

O francês Eric Rohmer é um cineasta de público restrito e a presença de seus filmes nos circuitos comerciais é rarefeita. Mas o norte-americano Woody Allen, por certas características americanas de filmar, que mesmo nas encenações intelectuais se torna mais consumível, é bem visto e apreciado por parcela considerável de nossa platéia.

Hannah e suas irmãs (Hannah and her sisters; 1986) é belo exemplo da adaptação do universo e estilo de Rohmer ao mundo americano. Allen, já em plena maturidade (como cineasta e como ator), superando a megalomania filosófica de uma determinada fase de sua carreira, constrói um filme segmentado, sutil, cheio de pequenos lances de vida que fornecem uma interpretação vaga mas profunda do espírito de algumas pessoas; utilizando muito o intertítulo para determinar os blocos narrativos e a voz off para revelar o pensamento interno da personagem, Allen não deixa de render tributo à influência literária, a despeito da extraordinária beleza cinematográfica de suas imagens, com cores deslumbrantes e despojados movimentos de câmara.

Na primeira cena da fita, um letreiro: “Meu Deus, como ela é linda!” Do fundo escuro em que está escrita a frase, saltamos para o ambiente duma festa, em primeiro plano o rosto de uma garota e, em off, a voz de Michael Caine repete: “Meu Deus, como ela é linda!” Harmonia perfeita entre imagens e sons. As discretas participações de Allen na pele de um homem de meia-idade encucado com a possibilidade de morrer (talvez tenha um tumor no cérebro), com a impossibilidade de ter filho (é estéril e quer que sua mulher seja inseminada artificialmente com o sêmen de outro homem) e com o absurdo (ou falta de sentido, ou falta de Deus) da vida, são divertidas e inteligentes. Mas o extraordinário é um plano-seqüência, a uma mesa, com pequenos e inquietantes movimentos de câmara de um rosto para outro, em que Allen reúne as três irmãs e lhes extrai agudas confidências; a trivialidade dos diálogos, a aparência de improvisação e realismo, o comportamento da câmara e dos atores, um certo jeito lembram momentos semelhantes em Elisa, vida minha (1977), do espanhol Carlos Saura, e Gritos e sussurros (1972), do sueco Ingmar Bergman.

Allen termina seu doce melodrama com um beijo. Reflexão existencial tão terna quanto um filme de Eric Rohmer.