Crítica sobre o filme "Império dos Sentidos, O":

Eron Duarte Fagundes
Império dos Sentidos, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 28/02/2003

Passados mais de vinte anos, O império dos sentidos (1976), um dos títulos básicos assinados pelo japonês Nagisa Oshima, apresenta-se hoje como um filme que está além de seu tema. Exibido no Brasil no começo dos anos 80, época em que o fim da ditadura militar trouxe a liberação tanto de filmes políticos considerados perigosos quanto a enxurrada de realizações de sexo explícito (os atores já não simulavam como nas pornochanchadas brasileiras, mas mantinham de fato relações sexuais; a câmara mostrava descaradamente a penetração), o trabalho de Oshima, a despeito da projeção artística do diretor, foi visto então com uma certa desconfiança pelos espectadores tidos por sérios. Ficava mesmo difícil amar isentamente a fita de Oshima; se o rigor ritualístico da encenação era exemplar e fugia ao mau gosto corriqueiro, as provocações críticas em cena perturbavam uma análise serena. Pode uma obra de arte erotizar o observador?

Revisto agora, O império dos sentidos mostra que permaneceu para além da curiosidade de seu tempo. Se em 1980 o impacto erótico acabava por ocultar uma parte da beleza da narrativa, na visão atual erotismo e plasticidade cinematográfica (muito pessoal, aliás) se unem em alguns dos momentos mais elevados do cinema. A seqüência que antecede a do estrangulamento e castração do protagonista é um bom exemplo da maneira rigorosa e contida com que Oshima se vale dos elementos dramáticos em cena: num primeiro plano a mulher, debruçada sobre o amante, aperta-lhe o pescoço simulando estrangulá-lo; ao fundo do plano a câmara fixa o entra-e-sai do pênis na vagina. A beleza e a erotização da cena são evidentes e, hoje em dia, não se perturbam uma à outra.

Extraído duma crônica policial japonesa dos anos 30, O império dos sentidos é pura poesia cinematográfica. E uma demonstração da criatividade dum artista ao recriar a realidade com as lentes de sua arte.