Crítica sobre o filme "Mephisto":

Eron Duarte Fagundes
Mephisto Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 13/11/2003

Na última seqüência de Mephisto (1981), filme húngaro de Istvan Szabo, ambientado na Alemanha nazista e cujos incidentes foram retirados da biografia que Klaus Mann (filho do grande romancista Thomas Mann) fez sobre a vida do ator Gustav Grundgens, um forte e insuportável facho de luz, manipulado pelos oficiais nazistas, incomoda um indivíduo e ofusca sua visão. Este indivíduo é o famoso ator Heindrick Hofgens, conhecido por sua caracterização como Mefistófeles na peça Fausto; após mais uma bem-sucedida noitada no Teatro Municipal, cuja presidência o ator deve a uma série de concessões que fez ao sistema, o primeiro-ministro nazista o submete a este simbólico jogo de luz. Heindrick pergunta-se, na última imagem da fita: “Eu sou apenas um ator; que querem eles de mim?” Nesta seqüência final Szabo alterna grandes planos abertos e luz com primeiros da face desesperada e embranquecida de sua personagem central.

Mephisto é uma angustiada reflexão sobre a manipulação que os sistemas de força impõem aos indivíduos. O ator Heindrick (numa extraordinária interpretação do austríaco Klaus Maria Brandauer), que, no passado, em Hamburgo, esteve ligado a um teatro bolchevique, revolucionário e antiburguês, torna-se em Berlim mais uma força do nazismo, que acaba por manipular sua criatividade.

A linguagem de Mephisto é sóbria e sombria; há sempre uma objetividade muito forte, apesar dos símbolos goethianos de que se vale o cineasta húngaro. Buscando em Mefistófeles um equivalente da alma alemã (vendida ao nazismo), Mephisto não chega a ser uma obra-prima, mas é um trabalho de extrema sinceridade sobre a manipulação que o poder totalitário exerce sobre a personalidade das pessoas.

Se o nazismo se vale do facho de luz para atordoar os indivíduos e melhor dominá-los, o cinema, nas mãos de autores como István Szabó, dele se utiliza para aclarar a cabeça dos espectadores e alertá-los do perigo de ver estancadas suas aspirações mais pessoais graças à ingestão, em seu interior, dum simples facho de luz.