Crítica sobre o filme "Morangos SIlvestres":

Eron Duarte Fagundes
Morangos SIlvestres Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 21/10/2003

O sueco Ingmar Bergman tem feito filmes para expor a dor de dente na alma a que ele se referiu num de seus textos-roteiro editados no Brasil. Pode dizer-se que Morangos silvestres é um de seus mais belos olhares cinematográficos para esta questão que o tem obcecado como um pensador incrustado no cinema: o saber não ajuda ninguém a ter um comportamento emocional melhor. Para definir estas personagens eruditas (profundamente nórdicas) que, todavia, mantêm relacionamentos humanos precários, Bergman cunhou outra de suas expressões antológicas: são os analfabetos sentimentais.

O professor Isak Borg, protagonista de Morangos silvestres, é um médico a que cinqüenta anos de profissão deram prestígio e conhecimento. Acompanhado de sua nora, ele empreende uma longa viagem de carro até a cidade universitária de Lund onde receberá um título honorífico. Durante este trânsito Bergman encena com suas câmaras lembranças e pesadelos em que se evidencia a dificuldade de se relacionar com os seus que o professor Borg exibiu desde a infância. Ao longo da viagem, o tema do casamento infernal aparece no casal a que Borg dá carona e nas alusões à crise matrimonial de sua nora; um e outro são projeções daquilo que não é referido em cena, o casamento sem amor do protagonista e a amada de infância que lhe foi roubada por seu irmão.

Pode-se avaliar a influência desta obra-prima de Bergman pela homenagem que cineastas tão bons quanto o espanhol Carlos Saura e o norte-americano Woody Allen lhe fizeram em filmes que estão entre os melhores das carreiras destes realizadores. Em Morangos silvestres há uma cena dentro do carro em que a nora e o filho do professor Borg discutem; a mulher tenta reaproximar-se do marido, falando da gravidez, mas o homem permanece duro, quase um ser de morte destes que Bergman gosta de colocar em seus filmes. Em Elisa, vida minha (1977) o espanhol Saura refilma uma discussão de casal dentro dum carro, semelhando a angulação e a conduta dos atores bergmanianas, invertendo uma coisinha, a mulher é que é dura, o mole é o homem. O americano Allen, bergmaniano até à medula, faz que sua personagem em Desconstruindo Harry (1997) receba uma homenagem universitária (como ex-aluno) exatamente como Borg recebe a sua (como professor) em Morangos silvestres.

Soberbo, Bergman era ainda em Morangos silvestres um doce-amargo, sem a plena crueldade de O mundo de luz e sombras (1997), sua mais recente obra-prima, feita para a televisão e sem circulação nos cinemas. Porém inegavelmente seu filme de 1957 está entre suas investigações metafísicas mais profundas.