Crítica sobre o filme "Mulher-Gato":

Eron Duarte Fagundes
Mulher-Gato Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 08/04/2005

Plasticamente e mesmo como possibilidade reflexiva, Mulher-gato (Catwoman; 2004), dirigido nos Estados Unidos pelo francês Pitof, é bastante mais ousado que todos os filmes recentes extraídos das histórias-em-quadrinhos. Ainda que tenha lá seus compromissos comerciais, embora ao que se diz fracassou inicialmente nas bilheterias, a narrativa apresenta uma galeria de símbolos ao lado da aventura que a coloca numa ponte de meditação sobre a rebeldia feminina quando decide enfrentar a prepotência dos homens e da sociedade. A protagonista, originalmente uma obscura funcionária duma indústria de cosméticos, passa a alçar vôo felino (material e simbolicamente) quando, ao morrer (sete vidas tem o gato era o título de um antigo alemão), incorpora a alma e o corpo de um gato, um animal doméstico mais irreverente que o submisso cão, por exemplo; desde a apresentação dos créditos de abertura, certos desenhos cenográficos muito bonitos expõem o gato como um animal diferente, chegando ao antigo Egito em que o bichano era considerado como um ser sagrado.

A atriz negra Halle Berry, cujo talento o espectador já pôde deparar em A última ceia (2001), de Marc Forster, onde ela contracenava com Billy Bob Thornton em algumas seqüências bastante quentes, é uma convincente mulher-gato que é também uma mulher gata (é bem verdade que, entre meus familiares e meus amigos, tenho fama de me deixar atrair por mulheres negras, mas espero não estar sendo parcial ao julgá-la o átomo do filme). A luta de Halle com Sharon Stone (que vive a vilã) no fim só é salva de seu incômodo clichê graças ao esforço das atrizes e à encenação brilhante de Pitof; a quarentona Stone, ao emprestar à sua personagem a experiência dura da meia-idade, dá mais veracidade a uma história surrealista e necessariamente fantasiosa.

É claro que, não fossem as necessidades comerciais da produção, Mulher-gato poderia ir mais longe em suas leituras paralelas. De qualquer maneira, perto do despenhadeiro formal de Hellboy (2004), de Guillermo del Toro, a plasticidade do filme de Pitof adquire contornos irradiantes.