Crítica sobre o filme "Noite de São Lourenço, A":

Eron Duarte Fagundes
Noite de São Lourenço, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 24/04/2005

A figura que narra, em voz over, os episódios de A noite de São Lourenço (La notte di San Lorenzo; 1981) está contando a seu filho, antes de dormir, as duras lembranças do tempo do fascismo e da guerra, a que ela sobreviveu quando menina. Este artifício narrativo confere ao filme de Paolo e Vittorio Taviani algumas características fundamentais: a evocação em primeira pessoa resgata a intimidade e a singeleza, estes velhos sentimentos da arte de contar histórias numa roda familiar; o fato de ser uma menina a viver os acontecimentos simboliza a esperança dos Taviani no presente e no futuro da humanidade, a despeito de um passado que beira a imoralidade (não esquecer que os Taviani se ligam à corrente católica do neo-realismo, a mesma de Roberto Rossellini e Ermano Olmi).

A noite de São Lourenço é uma daquelas obras sobre as quais é ocioso dissertar longamente; sua intrínseca natureza cinematográfica só pode ser experimentada na magia das salas escuras. Dificilmente o espectador deixará de ficar fascinado pela magnificência com que os Taviani jogam em cena o heroísmo social do povo, os elementos da terra que contrapõem os camponeses à burguesia bem-pensante (há rápidas tomadas deste cenário pertencente à classe social dirigente), os dramas individuais misturando-se ao coletivo, a liberdade evocativa sem ferir as regras clássicas de estilo, a imponência musical que penetra no celulóide –tudo é esculpido com rigor e encantamento, repondo na tela os coeficientes de realismo e sonho que equilibram o espetáculo cinematográfico.