A vida familiar italiana é cheia de conversas agitadas, frases cruzadas, gritos, histerismos. Mesmo em cineastas tão refinados e intelectuais quanto Luchino Visconti ou Federico Fellini, estas passagens pelas asperezas da vulgaridade familiar sobressaem. Então pode-se imaginar sua importância na linguagem de diretores mais diretamente cômicos ou populares.
O veterano Mario Monicelli (nasceu em 1915) tem um certo prestígio crítico que o livra de um conceito mais popularesco, mas está longe de expor um universo tão pessoal quanto Fellini, Visconti ou Michelangelo Antonioni. Um de seus filmes mais recentes, Parente é serpente (Parenti serpenti; 1993), exibe todo o seu poder narrativo para dissecar as hipócritas relações familiares, na Itália ou em qualquer parte do mundo.
Narrado como se fosse uma redação escolar de volta das férias dum garoto qualquer do interior da Itália, o trabalho de Monicelli apresenta uma capacidade peninsular do cineasta para dirigir com bom humor e brilho seu elenco. Ao manipular frases vorazes e sentimentos ressentidos como no centro de um turbilhão, Monicelli atravessa o Natal e o Ano Novo de uma família italiana (a neve, a bendita neve é o signo da frieza escondida atrás do vulcão verbal) fazendo-nos rir e pensar. Pensar sobre estes italianos despudorados, sobre as famílias que se digladiam. Pensar sobre nosso próprio comportamento familiar. Somos o menino que assiste a tudo perplexo e inocente. Somos os velhos que morrem incendiados diante dum acidente (?) com estufa de gás que lhes foi presenteada por parentes preocupados com o inverno que ainda teriam de passar. A perversidade do mundo familiar está inteira nesta obra de Monicelli.