Crítica sobre o filme "Roma Cidade Aberta":

Eron Duarte Fagundes
Roma Cidade Aberta Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 29/03/2005

A verdade é que Roma, cidade aberta (Roma, città aperta; 1945) é o verdadeiro marco do neo-realismo italiano. Com este filme o cineasta Roberto Rossellini aproximou o cinema documentalmente das ruas para fazer, como escreveu o crítico brasileiro Paulo Emílio Salles Gomes, a crônica de nossa época. Fortemente marcado pela presença da II Guerra Mundial na Itália, a carreira cinematográfica de Rossellini está sob a égide do retrato do fascismo e a resistência a ele.

O cristão Rossellini observa alucinado o horror bélico, o que o homem fez do homem no século XX. A figura do padre é um dos pólos da ação; ele é uma testemunha-chave do inferno nazi-fascista e coloca-se claramente ao lado dos resistentes. Em Uma noite em Roma (1960) Rossellini refaz, de maneira diferente, sua obra de 1945.

A morte de Anna Magnani, alvejada por nazistas em Roma, cidade aberta, virou cena clássica. O menino que lhe corre atrás, gritando: “É minha mãe! É minha mãezinha!”, representa um pouco de todos nós. Ao morrer Anna Magnani, morre Roma. Dizia-se na época que Anna era a encarnação de Roma, referência reforçada pela homenagem que lhe faz Federico Fellini em Roma de Fellini (1971); por sinal, Fellini e Sergio Amidei são co-roteiristas em Roma, cidade aberta.

A presença das crianças e sua desestruturação com a guerra, que Rossellini aprofundaria em Alemanha, ano zero (1947) e Europa 51 (1952), dá sua cara aqui. É verdade: o oficial nazista é necessariamente caricatural. Mas a visão das torturas, enquanto o padre é interrogado, são bastante duras. Seu fuzilamento final coroa as intenções deste filme fundamental.

Em Meu último suspiro (1982), livro de memórias, o cineasta espanhol Luis Buñuel escreveu: “Detestei Roma, cidade aberta de Rossellini. O contraste fácil entre o padre torturado no cômodo vizinho e o oficial alemão que bebe champanhe com uma mulher em seu colo pareceu-me um procedimento repugnante.” Compreende-se: o ateu Buñuel não capta as fraquezas do cristão Rossellini. Curiosamente, em Nazarin (1958), uma das obras-primas de Buñuel, a figura do padre aproxima-se um pouco daquela pieguice cristã que o realizador espanhol tanto execra em Rossellini.