Já se chamou o povo americano de tudo, de patriota a arrogante. Eles são mesmo muito metidos: julgam-se a coroa do mundo. Mas tem uma fé inabalável em si mesmos, são competitivos e acreditam com firmeza na vitória. Têm uma grande capacidade de superação. A quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929 parecia jogar a América numa irremediável miséria; o século XX provou que os americanos superaram esta doença.
Seabiscuit, a alma de herói (2003), filme que o diretor Gary Ross extraiu do livro da jornalista Laura Hellenbrand, começa fazendo referência a esta quadra difícil da sociedade ianque: a crise econômica do final dos anos 20. Uma das conseqüências da catástrofe foi a desestruturação familiar; uma das personagens centrais do filme, que depois será o jóquei do pangaré Seabiscuit, é uma vítima disto: os tempos felizes de reunião familiar à mesa se foram e seus pais têm de ir embora, deixando-o com outras pessoas que encaminharão seu talento (como seu pai diz ao despedir-se do menino). As outras duas personagens que cruzarão com o garoto também são criaturas detonadas emocionalmente: o milionário que aposta em corridas de cavalo teve seu filho pequeno morto ao inventar de dirigir às escondidas o carro do pai e imediatamente (ele, o pai sofrido) foi abandonado pela mulher que o culpava do episódio; o treinador de jóquei é um ensimesmado melancólico. E o cavalo? Foi treinado para perder visando a dar credibilidade moral a outros cavalos que seriam os verdadeiros vencedores. Da reunião destes quatro destroços (três seres humanos e um cavalo) surge o espírito vencedor, capaz de curar as chagas. Como se não bastasse, no fim o jóquei quebra a perna e o cavalo tem o ligamento rompido: contra todas as possibilidades, corem, assim estropiados, espreitando a morte, mas vencem na exuberante seqüência final.
Sim, o ufanismo americano às vezes nos incomoda nesta pequena aventura de superação. Mas é inegável que eles tem um senso de espetáculo capaz de funcionar como neste filme.