Crítica sobre o filme "Último Tango Em Paris":

Eron Duarte Fagundes
Último Tango Em Paris Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 28/07/2002

Antes de O último imperador (1987), que é uma obra-prima, eu não conseguia engolir muito bem o cinema do italiano Bernardo Bertolucci. Grande parte deste estranho asco vem da má experiência que foi para mim conhecer no final dos anos 70 seu filme mais badalado: O último tango em Paris (1972) chegava ao Brasil quando a ditadura militar e seus censores afrouxavam a rédea. Eu me estava iniciando no cinema (tardiamente, era então um jovem de vinte e quatro anos apressado naquela massa de curiosos no cinema Cacique) e a peça de escândalo que era esta realização de Bertolucci não topou em mim a sensibilidade para usufruí-la. Hoje sei que se trata mais de defeito meu que do filme, o qual agora, revisto na televisão ou em dvd, com todas as limitações da pequena tela, se mostra o mais agudo e vigoroso trabalho do cineasta.

Conhecendo alguns filmes de Bertolucci anteriores a O último tango em Paris, nota-se o aspecto datado de sua concepção: Antes da revolução (1964), A estratégia da aranha (1970) e O conformista (1970), para ficar com três exemplos vistos há alguns anos na cidade, são obras curiosas mas que não sobrevivem em sua integralidade. O último tango em Paris, conquanto hoje pareça até ingênuo em sua rebeldia contra a tradicional família burguesa (penso na cena em que Marlon Brando sodomiza Maria Schneider, depois de passar-lhe a manteiga no ânus faz com que ela recite algumas diatribes contra a família -compare-se com a contundência e a maldade duma realização dos anos 90, Os idiotas, 1997, do dinamarquês Lars Von Trier, ou para restringir-se aos próprios anos 70, Salò ou os 120 dias de Sodoma, 1975, de Píer Paolo Pasolini, exemplo máximo de rebeldia antiburguesa), resiste mesmo assim ao tempo graças ao seu vigor poético e existencial; desde a imagem inicial de Brando desesperado debaixo dum viaduto sobre o qual passa um trem, até o plano de fechamento em que a Schneider aparece de perfil, depois de assassinar a Brando, resmungando que não o conhecia, que o encontrou na rua e ele queria estuprá-la, o filme de Bertolucci perturba e inquieta o espectador, provocando-o em seus preconceitos.

Cheio de obscuros movimentos de câmara e enquadramentos muito pessoais, O último tango em Paris apresenta o mais feroz choro cinematográfico, um primeiro plano de Brando junto à parede do apartamento vazio. E uma das mais rápidas e penetrantes seqüências de sexo da história do cinema ocorre na semi-escurdião do apartamento, quando Brando possui sua parceira contra a parede e logo no chão, sem que ambos se dispam inteiramente. Sexo sem nus, diversamente do que ocorre em O império dos sentidos (1976), do japonês Nagisa Oshima, outra peça iconográfica do cinema erótico da época.

Evitando qualquer ligação mais íntima fora da relação carnal (ele não quer saber-lhe o nome nem nada de sua vida fora daquelas quatro misteriosas paredes), a personagem de Brando busca no momento final um gesto de aproximação, perguntando-lhe finalmente o nome que no início da narrativa lhe repugnava conhecer; ironicamente, é bem no instante em que ela balbucia "Jeanne", que a garota vai apertar o gatilho do revólver, matando seu parceiro. Ao longo da fita, os dois amantes trocam muitas confidências, há um longuíssimo primeiro plano de Brando deitado de lado no chão da peça falando interminavelmente; o suicídio de sua mulher, que tinha uma amante, e a vida de noiva da garota (ela é noiva dum tresloucado cineasta vivido por Jean Pierre Léaud, ator-fetiche de François Truffaut) se misturam com os encontros e os desencontros do quarentão e da jovem no apartamento sem nada que eles preenchem com a voracidade de suas personalidades.

Maria Schneider ainda apareceria noutro dos grandes filmes dos anos 70: O passageiro, profissão: repórter (1974), de Michelangelo Antonioni. Marlon Brando, assim como Maximo Girotti (que vive o amante da mulher de Brando), é um nome mítico do cinema. Catherine Breillat, que aparece como assistente de direção, assinou recentemente uma peça de escândalo, Romance (1999), que parece marcada por esta aura inatingível do clássico de Bertolucci.