Uma obra-prima da fase final da filmografia do italiano Luchino Visconti, Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno; 1974) foi rodado pelo cineasta já em adiantado estado da doença que pouco depois o mataria. Retratando-se na figura do professor magnificamente vivido por Burt Lancaster, Visconti reelabora intelectualmente seu cinema à luz dos movimentos de contestação política de 1968 em Paris e no mundo todo, sem todavia fazer uma referência mais aprofundada aos episódios daquele ano.
A personalidade do professor que vive sozinho num apartamento entre livros, quadros, discos, idéias e simbólicas recordações da juventude, aparece com inegável clareza e profundidade no filme de Visconti. A família que invade o universo do protagonista durante uma oferta dum antiquário sobre uma pintura à venda acaba por ativar a força do professor como ser humano, provocando-o nos conflitos da vida, dos quais ele se esforçava por manter-se afastado permanecendo eternamente entre seus bem-comportados livros e quadros.
Filmado em estúdio, Violência e paixão não esconde a afeição de Visconti pela linguagem cênica teatral; passando-se basicamente entre dois apartamentos, o da personagem central e o da família que entra na intimidade dele, o filme, apesar das alusões históricas características da obra de Visconti, tem uma narrativa intimista em que quem parece determinar o estilo de filmar é o espírito contemplativo da criatura de Lancaster.
Na verdade, a realização de Visconti busca reflexionar sobre a inutilidade do intelectual no mundo de hoje. O intelectual deixou de ser o sábio do passado, capaz de influenciar o comportamento das gerações (o último modelo parece ter sido o francês Jean-Paul Sartre, que outro intelectual, o mexicano Octavio Paz, ironizou aludindo a algo como “o tagarela e a conversa fiada”). Segundo Visconti, o universo flaubertiano do professor tem de vir abaixo para que se queime a capa que impede o conhecimento da realidade.
A grande habilidade do realizador para fazer fluir palavras e cenários diante de sua câmara permite ao observador desfrutar, em Violência e paixão, um filme-ponte entre literatura, cinema e teatro em que as reflexões sobre a morte são menos duras que no italiano Michelangelo Antonioni e não tão indigeríveis quanto no sueco Ingmar Bergman. Para isto, Visconti conta com sua paixão por certos artifícios do espetáculo da ópera, que ele incrusta em sua linguagem sem perder a noção do espetáculo cinematográfico.
P.S.: As orações acima foram extraídas dum texto que escrevi em 23.01.81, quando eu era um jovem cinéfilo de vinte e cinco anos. Por falar em filmes de Visconti, seria de bom alvitre o lançamento em DVD de Ludwig, a paixão de um rei, um Visconti que infelizmente nunca tive o prazer de ver.