Crítica sobre o filme "Virgens Suicidas, As":

Eron Duarte Fagundes
Virgens Suicidas, As Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 25/03/2001

Às vezes o cinema americano mais comprometido comercialmente surpreende, arriscando novidades. É o caso do filme de estréia de Sofia Coppola, As virgens suicidas (The virgin suicides; 1999). A obra inicial da filha do diretor Francis Ford Coppola surpreende pela segurança narrativa da diretora estreante e, mais ainda, pelo especial brilho visual com que está revestido o clima entre austero (um pouco de Ingmar Bergman) e libertinamente jovem (algum tanto de alguns laivos do pai de Sofia, principalmente em suas fitas que tratam de adolescentes). Misturando influências, Sofia é extraordinariamente original em sua visão meio lírica, meio perversa, eternamente secreta e profunda da juventude dos anos 70.

O suicídio é um tema amargo do cinema contemporâneo ou clássico. Em Europa 51 (1952), de Roberto Rossellini, é um menino suicida que deflagra o drama interior da personagem vivida por Ingrid Bergman. As mulheres suicidas do francês Robert Bresson em Mouchette, a virgem possuída (1967) e Uma mulher suave (1969) decretam a consciência do espectador, uma no fim da narrativa, outra no início. Gosto de cereja (1997), de Abbas Kiarostami, joga antes com a possibilidade do suicídio: o livre arbítrio para suicidar-se, ou não. Carlos Saura, num de seus filmes menos estimados, Antonieta (1982), referia-se ao suicídio de mulheres no século XX.

As garotas de As virgens suicidas são adolescentes perdidas na tumultuada América que se transformava nos anos 70. A luta por ser, diante duma sociedade ainda medieval (os pais são instrumentos da repressão), é acompanhada pelo olho poético da câmara de Sofia: a fotografia esbatida, os cenários elaborados, os figurinos caprichados e minuciosos, a precisa marcação das interpretações, os sinuosos movimentos de câmara que se combinam com uma montagem não menos sinuosa para produzir fragmentos narrativos cheios de beleza, tudo contribui para o alto nível da realização.

Do primeiro suicídio (a Cecília que corta os pulsos) até o suicídio coletivo do final (as outras quatro garotas se matam, cada uma à sua maneira, após marcarem encontro com rapazes), As virgens suicidas mantém intacto seu fascínio. Narrado em primeira pessoa pela voz de um dos protagonistas, vivido na tela por Giavanni Ribisi, o filme de Sofia trata da família americana de maneira mais inquietante que o habitual das obras do gênero. A única das virgens que perde a virgindade antes do suicídio vai levar todo o grupo ao gesto final de inconformismo.