É sempre um risco se fazer uma biografia autorizada. Mas este não é o problema deste filme que, com bastante coragem, e até candura, não esconde a promiscuidade e a autodestruição do compositor e cantor Cazuza. Certamente eles acertaram no mais difícil. A escolha do ator para fazer o protagonista.
O pouco conhecido Daniel de Oliveira pode não ter o jeito de anjo do jovem Cazuza, mas tem garra, presença, uma figura dominante que segura os dois tempos do personagem, a primeira fase do sexo, drogas e rock n´roll e depois de uma hora, enfrentando a tragédia da Aids (o ator emagreceu e tem uma figura impressionante). É uma revelação de ator, que convence plenamente e se o filme for sucesso deve-se principalmente a ele (o rapaz também canta algumas poucas canções embora, na maior parte do tempo, sejam usadas as gravações originais do próprio Cazuza). As outras opções são menos felizes. A idéia dos realizadores de fazer o filme em Super 16 mm, com cores berrantes e contrastadas como se fosse um filme que o próprio Cazuza estivesse fazendo de sua vida, não chega a passar para o espectador. Esqueceram de nos avisar e a sensação é de um filme apressado, nervoso (todo em câmera na mão), superficial.
O problema maior é que o roteiro não deixa nada muito bem definido ou explicado.
De tal forma que os coadjuvantes - até feitos por atores consagrados - não tem falas ou muito pouco a dizer. Mesmo os pais de Cazuza têm uma dezena de cenas, onde repetem lugares comuns, sem chance de se explicarem ou se tornarem humanos. E só resultam porque ambos (Marieta Severo e Reginaldo Faria), são grandes atores e souberam passar, muitas vezes num mero olhar ou na postura, o que estão sentindo. Porque o filme em momento nenhum os ajuda. Mas tampouco está a favor de Cazuza, já que o personagem fica dizendo frases feitas (ao que parecem autenticas), que fora de contexto parecem artificiais, e dão uma impressão de que ele é apenas um garoto mimado, voluntarioso, como se o fato de ter talento poético, justificasse tudo e qualquer coisa.
Incomoda especialmente o erro de Emilio Melo que faz um caricato Ezequiel Neves (amigo e guru de Cazuza e que por sinal faz uma figuração ao lado de Emilio num show). Sem o brilho e humor do verdadeiro. Perdido num limbo, o jovem Daniel tem a ingrata tarefa de carregar o filme, o que geralmente consegue (há uma tentativa de inserir a vida de Cazuza num contexto histórico o que também resulta superficial e mal resolvido). Principalmente porque é impossível não se ter uma memória emotiva tanto em relação às canções hoje, até clássicas, quanto às vitimas da Aids (ao chorar por Cazuza estamos também de certa forma, chorando por nossos mortos).