Crítica sobre o filme "Homem Que Copiava, O":

Eron Duarte Fagundes
Homem Que Copiava, O Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 29/05/2004

O gaúcho Jorge Furtado é um dos melhores diretores de atores do cinema brasileiro. O homem que copiava (2003) revela isto com clareza: a displicência de Luana Piovani, os carregados trejeitos cômicos de Pedro Cardoso, o semblante televisivo de Leandra Leal e as características assustadas de Lázaro Ramos são contidos pela firmeza de linhas da direção de Furtado e o resultado é um quarteto interpretativo que funciona como poucas vezes se viu em realizações nacionais recentes.

Depois das superfícies agradáveis de Houve uma vez dois verões (2002), o cineasta, sem perder seu alto grau de comunicação com todos os públicos, deixa agora sobressair seu lado mais culto e exigente. Profundamente escrito, em diálogos bastante naturais e com a insistente voz-over do narrador-protagonista, o filme passeia por Shakespeare (um recitado soneto do poeta inglês é um dos centros da película) e Cervantes, visitando até um autor tão raro quanto Xavier de Maistre; toda a miscelânea de referências eruditas não prejudica a fluência e a naturalidade da narrativa, pois Furtado nunca perde de vista a harmonia de espetáculo do cinema.

Recorrendo inclusive à linguagem ágil dos quadrinhos, pois assim também o fazia o francês Alain Resnais, uma das influências do realizador gaúcho, Furtado transforma seu filme num jogo de montagem bastante original. Se sua personagem vive a copiar documentos na máquina fotocopiadora e vê o mundo assim, fragmentariamente, um pedaço de livro aqui, um pedaço de outro livro acolá, informações culturais dispersas, O homem que copiava mostra um diretor que não copia ninguém; sua narrativa não é dispersiva e tem alma própria.

A história contada pelo fotocopista está começando a ser recontada, em cores mais realistas, no fim do filme pela boca de sua namorada. Como o inglês Alfred Hitchcock em Janela indiscreta (1955) – uma das alusões da fita de Furtado -, O homem que copiava inova na linguagem cinematográfica com uma experimentação quase imperceptível, propondo combinações pessoais com os planos de sempre.