Crítica sobre o filme "Lisbela e o Prisioneiro":

Edinho Pasquale
Lisbela e o Prisioneiro Por Edinho Pasquale
| Data: 19/06/2004

Guel Arraes vem se destacando, já há algum tempo, como um grande diretor e “criador”. Ele começou mesmo a fazer sucesso na TV, criando alguns dos mais importantes humorísticos da história, como Armação Ilimitada, TV Pirata e A Comédia da Vida Privada, dentre vários outros produtos da TV Globo, como algumas minisséries que foram acabar no cinema, tal o seu requinte e sucesso: O Auto da Compadecida e Caramuru: O Inventor do Brasil, que foram sucesso em ambas as mídias, TV e Cinema (disponíveis em DVD). Desta vez ele fez uma produção dirigida unicamente ao cinema, numa obra baseada num conto de Osman Lins, Lisbela e o Prisioneiro. Ele já havia adaptado a obra para o teatro, sendo um sucesso absoluto.

Neste filme, cuja comparação com O Auto da Compadecida é natural, apenas por se passar no nordeste e ter, como um dos personagens principais, um ótimo trambiqueiro, ainda mais porque o ator que faz os dois papéis é o mesmo, o ótimo Selton Melo. Lembro-me que na entrevista coletiva quando do lançamento do filme no cinema, Guel admitia tal semelhança, mas não com tanta ênfase. Ele dizia que o filme tem suas semelhanças, pois o trabalho dele é “popularesco”, ou seja, busca, principalmente no Nordeste, sua origem, personagens e tramas extremamente populares e que exatamente por isso se identificam com o filme.

E nisto este filme é mestre. Há uma variedade de personagens muito interessantes e que ultrapassam até a linha do popular, alguns são até “líricos” para quem adora cinema. Absolutamente todos os atores estão exuberantes, claro que o destaque fica com Marco Nanini, o “camaleão”, desta vez num inspiradíssimo matador. Aliás, há uma interessante troca de atores nas personagens por quem fazia a peça e fez o filme. Destaque ainda para as atuações de personagensa parelelas, Tadeu Melo (se bem que no seu estilo de sempre, mas foi um dos grandes destaques da peça), Bruno Garcia (como o ótimo "exilado porém moderno de volta à terra que virou carioca de meia-tijela") e André Mattos (pai de Lisbela e delegado). Débora Fallabela está bem delicada e muito bem no seu papel, enfim, teria que elogiar a praticamente todo o elenco.

Nasce desta trama várias histórias paralelas, causando por vezes cenas extremamente engraçadas e, por outras, quase às lágrimas, para quem ainda tem um romantismo dentro de si. Muito bem amparado pela trilha sonora (na mesma coletiva, o Diretor Musical João Falcão disse que fez um trabalho extremamente integrado com Guel), a trama é atemporal, temos uma ou outra dica da época em que se passa, mas o seu simbolismo é claro: se passa em qualquer tempo, desde a atualidade até quando o Zeppelin passou pelo país... Afinal, o cinema, cuja maior homenagem está no paralelo entre a mocinha apaixonada pela sétima arte, de certa forma realizada de modo bastante diferente, porém com o mesmo "lirismo", por Woody Allen em A Rosa Púrpura do Cairo (foi apenas uma referência provável para o diretor, é um dos papéis (ops, quero dizer, cenários, mas veja e entenda a “confusão”) centrais do filme.

Uma produção impecável de Paula Lavigne (que disse na mesma coletiva que a participação do marido Caetano Veloso na trilha sonora foi casual... mas foi um dos grandes hits do ano, “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, regravada, por óbvio, depois pelos cantores mais "populares" de axé, sertanejo e cia., aproveitando a carona do sucesso), com ótima fotografia de desenho de arte, bem colorida e um grande “cordel”.

Mais uma ótima produção do “novo” cinema nacional, quem vem se estabelecendo cada vez mais como sendo um dos mais interessantes, mesmo se comparado com obras nacionais do passado. Se você gosta de um filme agradável, com ótimos personagens (e atores), uma linda história de amor, de cinema e de uma boa comédia, não perca este filme. E assista sempre, pois trata-se aqui de um “pequeno Cinema Paradiso nacional" (feitas todas as ressalvas imagináveis).