O maior elogio que se pode fazer é que O Redentor não se parece com coisa nenhuma. Não tem precedente, ou similar. Por isso, revela um autor, um cineasta brasileiro de personalidade e estilo próprio. O que há muito tempo não sucedia. É verdade que Cláudio Torres já tinha demonstrado talento e originalidade em seu episódio do filme Traição (98). E não há dúvida que descende de boa estirpe, que por sinal está toda no filme: a mãe Fernanda Montenegro e o pai Fernando Torres como atores, a irmã Fernandinha Torres como co-roteirista e em ponta como atriz. Quem sai aos seus...
Por outro lado, há alguns problemas. O maior é que o filme não é ainda conhecido como deveria, corre o risco de competir com o sucesso de Olga, precisa de tempo para ser descoberto. O segundo, os próprios produtores (Globo Filmes e a ilustre Conspiração Filmes) também perceberam, é um filme difícil de classificar como gênero (tanto que o press release faz várias tentativas, a propósito). Infelizmente o público, hoje em dia mais do que nunca, raciocina em bloco e precisa de balizas. Enfim, emburreceu.
O Redentor é inteligente e pessoal, mas não especialmente fácil, nem de resumir. Começa como uma comédia de costumes, até porque Cláudio procurou utilizar atores ligados à comédia em papéis que vão se tornando cada vez mais dramáticos, por vezes trágicos. Aproveitando a naturalidade e mesmo o humor que eles trazem aos personagens. Como em Crepúsculo dos Deuses, o herói, o jornalista Célio Rocha (Pedro Cardoso), já está morto quando começa a fita e passa a relatar sua história. Portanto, tudo é possível, o filme perde qualquer obrigação de ser realista. E realmente, cada vez mais, vai se tornando um delírio, uma fantasia. Acontece que Célio foi colega de infância de um hoje corrupto construtor de imóveis, Otávio Sabóia (Miguel Fallabella), que nunca entregou o prédio de apartamentos, que hoje fica perto de uma grande favela.
E no qual o pai de Célio comprou uma unidade, tentando realizar o sonho bem brasileiro da casa própria. Agora esse prédio foi invadido pelos favelados, enquanto Sabóia ameaça se jogar de um prédio e convoca o antigo amigo para ajudá-lo numa série de complicadas negociatas. Inclusive fazendo uma reportagem com uma bela favelada posando na cobertura do prédio (a sempre bela Camila Pitanga; aliás, para tirarmos isso logo do caminho, todo o elenco está ótimo). A situação vai se complicando, Célio vai parar na cadeia, mas a presença constante é a figura do Redentor, ou seja, o Cristo Redentor que zela pelo Rio de Janeiro e seus habitantes. E mais não dá para resumir.
Misturando implacável sátira a momentos de farsa, tragédia e melodrama, o filme vai em espiral, sem tropeços. Já disseram que é do tipo ame-o ou deixe-o. Talvez nem tanto, simplesmente porque mesmo os que não embarcarem na da histária, certamente ficarão impressionados com a excelente produção. Tudo é impecável, em particular a finalização, o uso de efeitos digitais. Não há a menor dúvida da qualidade do filme brasileiro, atualmente. Mas pode se criar uma sensação de estranheza, de caos criativo, que pode provocar uma certa rejeição. Saí do cinema na certeza de ter assistido uma fita, no mínimo, interessante, possivelmente brilhante. E de ter testemunhado a revelação de um jovem grande cineasta.