Crítica sobre o filme "Deuses Malditos, Os":

Eron Duarte Fagundes
Deuses Malditos, Os Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 29/05/2012

Ao contrário de seu patrício Pier Paolo Pasolini, que utilizava uma brutalidade de uma vulgaridade peninsular, o italiano Luchino Visconti falava de coisas como a violência e o incesto sem perder sua linha aristocrática de filmar; menos ferino e feroz que Pasolini, mais cheio de pudores psicológicos, Visconti transforma a barbárie moral e física de Os deuses malditos (La caduta degli dei; 1969) num afresco muito mais estético que provocativo; há cenas fortes, como a aproximação incestuosa da personagem de Helmut Berger à sua mãe (vivida por Ingrid Thulin) às vésperas do casamento dela , a sugestão de pedofilia quando Helmut beija uma menina e as violentíssimas matanças nazistas que numa determinada sequência se acotovelam na montagem espalhando o sangue na tela; mas tudo é filmado por Visconti com sua habitual aristocracia de filmar, o que torna a coisa menos terrena e malvada que aquelas anotações cruas e semidocumentais de Pasolini; em Visconti o esteticismo vazio e artificioso somente é evitado graças ao extraordinário senso de cinema do diretor, o que insufla a suas cenas uma inesperada energia viva, como se ele fosse um historiador-artista, um cérebro capaz de emoção.

Certamente um dos mais belos retratos cinematográficos do nazismo alemão, em seu tempo Os deuses malditos foi recebido com desconfiança por aqueles que se exasperavam diante dos desvios do cinema de Visconti; longe do calor da família italiana de Rocco e seus irmãos (1960), que ainda era filmado com algumas tintas neorrealistas, a família germânica de Os deuses malditos é demente e degenera, buscando sua concepção de decadência  através das gerações em algo tão longínquo quanto o romance Os Buddenbrook (1900), do alemão Thomas Mann, autor que Visconti atacaria mais diretamente em seu filme seguinte, Morte em Veneza (1971). Naqueles anos se dizia que Visconti, ao afastar-se de sua Itália natal, estava perdendo sua naturalidade. Os anos parecem dizer o contrário. Em Os deuses malditos Visconti se torna cada vez mais verdadeiro.

Recentemente, pode-se dizer que A fita branca (2009), do austríaco Michael Haneke, recaptura uma parte deste notável olhar cinematográfico para o ninho de serpente nazista. Talvez de maneira um pouco mais fechada e obscura que aquela utilizada por Visconti. Os deuses malditos é mais aberto em seu denso barroquismo de imagem, nos cenários refinados que fluem diante dos movimentos de câmara; e nisto a fotografia assinada por dois mestres, Pasqualino De Santis (Um dia muito especial, 1977, de Ettore Scola) e Armando Nannuzzi (Casanova e a revolução, 1982, de Ettore Scola). ajuda bastante. De par com a música precisa de Maurice Jarre.

Um filme permanente em cada revisão, Os deuses malditos em momento algum esconde o rigor clássico de Visconti, mas este rigor está a serviço duma criação estupenda.