Crítica sobre o filme "Quando Desceram as Trevas":

Eron Duarte Fagundes
Quando Desceram as Trevas Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 14/04/2012

Pode-se dizer que poucos cineastas têm o poder atmosférico do cinema como o alemão Fritz Lang. Esta capacidade de gerir os elementos visuais do cinema (a obscuridade labiríntica duma certa fotografia em preto-e-branco, a marcação sonora, a distribuição dos objetos no cenário, o gesto do ator casado com o gesto da montagem) é especialmente perceptível na fase americana em que Lang edificou como ninguém um modelo de filme noir, cheio de novelos de tramas e danadamente hipnótico. Quando desceram as trevas (Ministry of fear; 1944) pode não ser tão inovador quanto Almas perversas (1945) ou A gardênia azul (1952), mas é igualmente fascinante na maneira como Lang constrói uma história escusa para dar vazão a uma linguagem cinematográfica densa e refinada que sempre o elevou à condição de artista ímpar da sétima arte.

A ambientação de Quando desceram as trevas é a Inglaterra devassada pela II Guerra Mundial, um tema contemporâneo do próprio filme de Lang, fazendo com que a obra de arte e a realidade se tornem como espelhos convexos um do outro. No início do filme, a personagem de Ray Milland está saindo de um manicômio londrino; seu interlocutor aponta para um relógio e misteriosamente fala da relação do internado com o tempo marcado pelos ponteiros. É um pouco neste tempo obscuro que Lang aperfeiçoa seu desorientador estilo de filmar; atravessando com sua câmara pelas sombras hesitantes de seu protagonista, Lang mexe no passado do ser com alguma sutileza para ir alinhavando um enredo às vezes mirabolante, às vezes sofisticado em que a personagem se perde constantemente, criando a instabilidade de ver no espectador.

A questão da incriminação injusta, que persegue o protagonista de Quando desceram as trevas, já fora tratada magistralmente por Lang em Vive-se uma só vez (1937). A última imagem, com as criaturas de Ray Milland e Hillary Brooke falando de casamento e amabilidades, coroa com inusitado romantismo os cercos sombrios da imagem cinematográfica de Quando desceram as trevas.