Crítica sobre o filme "Tokyo Ga":

Eron Duarte Fagundes
Tokyo Ga Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 17/07/2012

A verdadeira paixão do alemão Wim Wenders são os cineastas que lhe interessam. Em Tóquio Ga (1985) Wenders registra sua viagem a Tóquio, capital japonesa, em busca de rastros do realizador nipônico Yasujiro Ozu, falecido cerca de vinte anos antes desta viagem: morto Ozu, Wenders procura os cenários, os trens, os varais, os descendentes de personagens (um garotinho teimoso numa estação rodoviária, por exemplo) e os assistentes de direção e atores que trabalham com aquele que é —para Wenders e também para este analista— o pico da arte cinematográfica no Japão. Anos antes, Wenders, sabendo do estado à morte do cineasta americano Nicholas Ray, viajou aos Estados Unidos e filmou O filme de Nick (1980). Com Ray talvez Wenders tenha aprendido a nostalgia de filmar, algo que está em Paris, Texas (1984), o filme que antecede Tóquio Ga. Com Ozu o aprendizado de Wenders é mais profundo, como revela o próprio Wenders com a voz over que utiliza em Tóquio Ga: aprende a observar, sem querer demonstrar nada; o cinema como um observador do mundo, para que coisa melhor?

Tóquio Ga começa e termina com imagens do mais belo dos filmes japoneses, Era uma vez em Tóquio (1953). Entre os dois extremos Wenders vaga por uma Tóquio de seu imaginário com base em sua experiência de ver os filmes de Ozu. Fala com as pessoas que trabalharam com Ozu. Visita o túmulo de Ozu, sem inscrição nenhuma que não seja um vocábulo que significa “nada”. Nos entrechos de sua busca por Ozu, topa com outro cineasta alemão, Werner Herzog, que, observando Tóquio do alto, tergiversa sobre a imagem verdadeira, ainda que para isto tenha de participar dum projeto da NASA para ir ao espaço; contradizendo seu amigo e patrício, Wenders prefere buscar esta imagem verdadeira no caos aqui de baixo, inspirando-se mais nos planos fixos, com a câmara no chão, rigorosos, precisos, despojadíssimos que Ozu tanto usou em seus trabalhos (de Ozu se chegou a dizer que perto dele o francês Robert Bresson pareceria um barroco descontrolado). E também topa com o diretor francês Chris Marker, que lançara há pouco seu belíssimo Sem sol (1982). Assim, percorrendo os delírios de outros realizadores contemporâneos, Wenders mergulha no tempo de Ozu. Para mergulhar na paixão pelo próprio cinema. De que Tóquio Ga é uma expressão de elevada transcendência e beleza.

P.S.: Esta recorrência do cinema de Wenders a parceiros contemporâneos, para aproximar-se ou desdizê-los ou complementá-los, me evoca um texto do crítico José Carlos Avellar para um curso sobre Woody Allen ministrado em Porto Alegre há quase dois anos. Escreve Avellar: “Os filmes de Allen e Wenders, realizados quase ao mesmo tempo, compõem um diálogo não planejado, natural.” Avellar buscava associações entre filmes de Wenders e Allen rodados quase ao mesmo tempo. No imaginário de Avellar um filme na tela dentro do filme Hannah e suas irmãs (1986) se equipara àquilo em que Wenders transforma a Tóquio real dos anos 80, passando-a de sua realidade para dentro dos filmes de Ozu —em Allen é contrário, o filme na tela sai para o real encenado de Hannah e suas irmãs.