(Em 1990, um dos principais cineastas franceses de hoje, Jacques Doillon, rodou uma obra-prima, A vingança de uma mulher; o título deste artigo é uma homenagem a este realizador quase desconhecido no Brasil)
Convém esclarecer que Menina má.com (Hard candy; 2005), produção americana à margem dos grandes estúdios dirigida por David Slade, não é um filme da pedofilia propriamente, embora o pareça: é uma narrativa que usa uma trama de pedofilia para fazer o que mais vai interessar ao realizador, uma forma cinematográfica engessada pela busca da tensão no suspense. A complexidade da visão do universo pedófilo que há em Nó na garganta (1997), do irlandês Neil Jordan, ou a ambigüidade inteligente de uma realização como a de O lenhador (2004), de Nicole Kassel, ou ainda aquelas inquietações temáticas próprias do espanhol Pedro Almodóvar em Má educação (2004) são passadas por alto por Slade, que se detém a esmiuçar com muita segurança os artifícios estilísticos do gênero. É artificioso, é formalista, é eficiente; os arquétipos fáceis do pedófilo e da virgem que se transforma em pura maldade já foram utilizados de maneira muito mais secretamente aguda pelo espanhol Luis Buñuel, mas não é isto o que quer a curtição fílmica proposta por Slade.
Filmando em planos fechados sobre os cenários e geralmente as partes superiores dos corpos dos atores (na inquietante cena da castração que é um autêntico simulacro visual, a câmara nunca olha para baixo, fita implacavelmente os rostos da menina ruim e do homem desesperado), trancando seus seres no início na irrealidade virtual de um computador (as primeiras imagens são frases trocadas na tela de um computador, no restante da fita a dialogação ininterrupta percorre a faixa sonora) e depois nos interiores duma casa onde a vingança da virgem perversa (pensamos nas virgens más de Buñuel, mas aqui é outra coisa), Slade roda uma obra moralista e superficial em suas trivialidades mas que não deixa ninguém indiferente porque ele é um artesão competente da pequena indústria que vive à sombra de Hollywood. Para aquilo que pretende, Menina má.com funciona, podendo causar arrepios nos homens e exultação em algumas mulheres ou famílias mais assombradas com a pedofilia.
Nas informações cinematográficas que semeia sobre seu assunto, Slade refere o cineasta polonês Roman Polnasky (condenado nos Estados Unidos por abusar duma menor; mas, lembra a garota do filme de Slade, mesmo assim ganhou um Oscar logo depois) e a atriz Jodie Foster (que foi uma garotinha que mantinha com o taxista Robert de Niro uma ambígua relação em Motorista de táxi, 1976, do americano Martin Scorsese; diz a garota má de Slade que Jodie poderia dirigir o filme sobre as malvadezas com os tarados, ou seja, poderia assumir a direção de Menina má.com). Em suma, um espetáculo curioso, mas sem muito alcance.