Crítica sobre o filme "Prometheus":

Rubens Ewald Filho
Prometheus Por Rubens Ewald Filho
| Data: 28/10/2012

Este é o filme mais aguardado do ano dentre todos os blockbusters da temporada, superando mesmo os que ainda faltam estrear, o último Batman e o novo Homem Aranha (que as pessoas olham com desconfiança achando que é cedo demais para uma refilmagem). Aqui é o contrário, há anos que os fãs de Alien, o Oitavo Passageiro (1979), estão aguardando o retorno do diretor Ridley Scott a franquia já que os filmes posteriores foram realizados por outros diretores (ainda que gente boa como James Cameron, David Fincher, Jeunet no último em 97) conservando-se apenas a presença da protagonista feminina mais viril do cinema, a Tenente Ripley de Sigourney Weaver (a Fox quase acabou com a franquia cometendo aquela estupidez que foi Alien vs Predador I (04) e II (2007). Ou seja, tudo por dinheiro, mesmo com o risco de desmoralizar e liquidar a franquia).

Também é preciso levar em conta que o diretor Ridley Scott teve seu auge no começo da carreira, quando encadeou suas três obras-primas (Alien, 79, Blade Runner, 82 e Thelma e Louise, 91). Desde então a produtora - que tem com o irmão e filhos - Scott Free, seja muito bem-sucedida, até de séries de TV como The Good Wife, nunca mais fez um grande trabalho, gastando tempo com filmes medianos em geral com Russell Crowe. Entre eles, Robin Hood (10), Rede de Mentiras (08), O Gângster (07), Um Bom Ano (06) e o que gerou tudo isso e que no final das contas em retrospecto não era tão bom assim, O Gladiador (2000). Os sem Crowe foram ainda piores: Cruzada (05), o esquecido Os Vigaristas (03), o confuso Falcão Negro em Perigo (01) e o dispensável Hannibal (01). Reparando bem não é uma carreira tão bem-sucedida assim o que fazia temer que os bons tempos já tivessem passado e Ridley não tivesse fôlego para acertar de novo.

Felizmente este é o melhor filme de Ridley Scott desde seu apogeu. Tem uma excepcional direção de arte (parece que ele chamou novamente o designer H. R. Giger, que havia criado o inesquecível desenho do Alien “Xenomorpho” que ajudou a criar os aliens deste filme). Tem excelentes efeitos especiais, uma direção segura, suspense permanente, um ótimo elenco (depois entramos em detalhes) embora seu coração balance entre satisfazer as duas expectativas: a de fazer um filme mais profundo e mais sério do que a média do gênero e sem decepcionar os fãs jovens da série que esperam sangue, violência e monstros (e não vão se decepcionar). E ainda por cima mantendo a fama de saber criar personagens femininos heróicos, com uma herdeira de Ripley, no caso, Elizabeth Shaw, feita pela sueca Noomi Rapace - famosa como a criadora do personagem de Millenium, versão original, a punk Lisbeth Salander e que pelo jeito será novamente a protagonista nas continuações que deverão vir por aí).

Se o filme não decepciona, ao contrário, mantém o clima, o suspense e por vezes impressiona (ele foi bem de bilheteria na estreia, com US$ 51 milhões de renda, embora tenha perdido para Madagascar 3) é preciso prevenir que ele tem uma segunda leitura que nem sempre é acessível. Na verdade, quem o seguir com mais cuidado vai se perder um pouco em sua mitologia, que atualmente está sendo alvo de debates nos sites americanos (e logo em  breve também por aqui).

O fato é que é difícil seguir os nomes que ainda não decoramos e entender todos os meandros de uma trama complexa que lida com nada menos do que a criação do ser humano, sem ter nada a ver com a Origem das Espécies de Darwin como, aliás, um diálogo faz questão de citar). Ou seja, a primeira leitura é a de um filme de terror. Mas por trás está, não tão escondida assim, um viagem bem mais complexa, com referências muito claras a Nietzche, da busca da origem da humanidade (voltamos abaixo ao assunto).

Segundo as entrevistas, o filme foi concebido como um prólogo ao Oitavo Passageiro, mas depois foi sendo modificado e conservando sempre Noomi Rapace (que já estava contratada como um dos cinco protagonistas). Ou seja, o filme acontece no mesmo universo que Alien, mas não seria um prólogo assumido! O título não é à toa, faz referência direta a mitologia grega, onde Prometeu era o humano que roubou o fogo dos Deuses e por isso foi condenado ao sacrifício eterno. É  a história da criação, dos deuses e do homem que os enfrentou.

Assim houve momentos em que Scott se inspirou no velho livro Eram os Deuses Astronautas?, de Erich von Daniken, afirmou  ele: "Tanto a  NASA quanto o Vaticano concordam que é quase matematicamente impossível que estejamos no atual estágio de ciência sem uma ajuda no meio do caminho. Dos engenheiros vindos do espaço. Será que os aliens eram uma forma de guerra biológica que poderiam limpar o planeta?, conclui. Inclusive por causa disso, em maio de 2012, Guilhermo del Toro declarou que seu projeto de At the Mountains of Madness foi cancelado porque era parecido demais com sua visão da novela de H. P. Lovecraft chegando a ter cenas quase idênticas.

Especialmente marcante e bonita é a sequência inicial, chamada de O Príncipio dos Tempos que foi toda rodada na paisagem gélida e fotogênica da Islândia. Assim como é muito forte a escolha do elenco. O que deixa a gente um pouco confusa é que Ridley escolheu para um dos papéis centrais o Charlie Holloway, o ator Logan Marshall - Green que é extremamente parecido com um astro do momento, o britânico Tom Hardy (a ponto de ter causado problemas na imprensa americana que foi forçada a diferenciá-los. Hardy está em Batman como o vilão e este Logan é mais esguio, mais magro, americano, não marcou em filmes como Across the Universe e Atraídos pelo Crime, nem a série de TV Dark Blue. De qualquer forma, é uma coisa que incomoda).

 

Por outro lado, a fita traz outro grande trabalho do ator alemão Michael Fassbender de Shame, que aqui interpreta uma figura central (com gestual e comportamento adequado ao papel), a do robô ou andróide (na falta de melhor nome) chamado David, que se inspira no ator Peter O´Toole (procurando ficar fisicamente parecido com ele, inclusive como o anjo de A Bíblia e com uma citação literal do filme Lawrence da Arábia, de David Lean, de quem vemos um trecho.

Há também frases que parecem ser do filme que David diz (por outro lado ele é saudado a bordo por uma voz igualzinha do Hal 9000, de 2001). Certamente numa segunda visão outras referencias serão encontradas).David também guarda segredos e desobedece ordens tornando-se assim a grande figura do filme. (Para preparar para o papel além de ver O´Toole, Michael Fassbender assistiu Blade Runner, O Homem que Caiu na Terra, O Criado. Também estudou os movimentos da campeão de salto Gred Louganis).

Outra figura marcante ainda que secundária é a sempre bela e marcante Charlize Theron, que foi instruída por Scott a ficar nos cantos e se mover com movimentos que acentuassem sua personalidade distante e enigmática. Por outro lado, há uma razão porque ele escolheu um ator relativamente jovem (44 anos) como Guy Pearce para fazer o milionário que patrocina o projeto. Acontece  que houve uma campanha inovadora viral para promover o filme com diversos vídeos mostrando o mundo no futuro próximo do filme. O primeiro foi uma falsa (fake) conversa com esse personagem de Peter Weyland (ou seja, Guy Pierce), datado de  2028. Depois duas versões diferentes de uma promoção comercial do androide David 8 (Fassbander).

Foi Ridley Scott e Damon Lindelof que planejaram isso e foram dirigidos pelo filho do diretor, Luke Scott.  Quem tiver paciência e checar os letreiros do filme verá um logotipo dessa fictícia Weyland Corporation. Com a frase “Construir mundos melhores desde 11 de outubro de 2012” e também um endereço para o “corporate timeline” da Weyland Industrie. É como se fosse um novo “Easter Egg” como tinha antigamente nos DVDs.

Os entendidos irão encontrar lá mais referências a obra do filosofo alemão Freidrich Nietzsche,  em particular de Assim Falou Zaratrusta. De quem Weyland faz citação: "Eu sou lei apenas para minha espécie, nao sou uma lei para todos". Isso parece relacionado com a intenção de encontrar a vida e juventude eterna.  

Está evidente que estou certo em insistir de que o filme precisa ser visto uma segunda vez não apenas para saborear melhor certos detalhes técnicos (ele foi rodado no processo de 3D, mas sem procurar o efeito fácil mas aproveitando os melhoramentos introduzidos por Avatar) para tentar responder algumas questões que não ficam resolvidas. Ao menos à primeira vista.

De qualquer forma, até o final esperado mas ainda de impacto, Prometheus está longe de ser apenas uma banal e satisfatória aventura de terror.