Não deu certo esta versão que Polanski fez da peça da francesa Yasmina Reza (Art), co-roteirizada por ela e que mal chega a ter 80 minutos! A peça foi recém-montada no Brasil como Deus da Carnificina, estrelada por Deborah Evelyn, Julia Lemmertz, Paulo Betti e Orã Figueiredo. Eu a assisti na Broadway e gostei tanto que tentei mesmo comprar os direitos, mas eles já tinham sido adquiridos. Na época eu escrevi o seguinte:
“O grande sucesso de bilheteria atualmente na Broadway em termos de não musical é a peça God of Carnage, o novo texto da francesa Yazmina Reza (Art). Mas o segredo que ele foi adaptado pelo extraordinário Christopher Hampton (Ligações Perigosas e dezenas de roteiros para cinema), que tirou o pedantismo e reduziu tudo para um ato, objetivo e direto. Seria um pouco Quem Tem Medo de Virginia Woolf, embora a referência fique mais indireta quando você está vendo a peça (que tinha uma direção de arte clean e minimalista, uma sala de estar americana com carpete vermelho e uma grande parede enviesada, algumas cadeiras e um sofá, dois vasos de tulipas). É sobre um casal que está em visita a outro porque os filhos respectivos brigaram (e um feriu o outro).
O elenco esta em total forma e os quatro foram indicados ao Tony: James Gandolfini (Família Soprano) é Michael dono de loja de ferragens ou coisa que o valha e casado com uma complicada Veronica (Márcia Gay Harden, Oscar por Pollack, 2000). Os visitantes são Alan, um advogado que está sempre ao celular (Jeff Daniels, de A Rosa Púrpura do Cairo) e sua infeliz esposa Annette (Hope Davis, que fez muitos filmes como Sinédoque, A Vida Secreta dos Dentistas, O Matador, Lembranças de um Verão). Eles aparentemente estão chegando a um acordo quando Annette passa mal e vomita em cima de todos eles e dos preciosos livros de arte da anfitriã. Desde está instaura-se o caos, com todo mundo lavando a roupa suja, maridos e esposas num conflito divertido e explosivo. Os quatro estão ótimos. O título se refere a um Deus que no fundo aprova a carnificina, os lobos se devorando uns aos outros. Mas bem ao gosto da Broadway, nada é muito aprofundado, fica na medida certa”.
Não é a versão de Hampton que Polanski filmou. Agora ele começa com um plano geral distante de um parque do Brooklyn (onde se passa a ação agora) em briga de turma de pré-adolescentes quando uma agressão com um pau (no final eles parecem estar conversando normalmente, como se tudo que tivesse transcorrido não tivesse a menor importância. Um dos garotos é filho do próprio diretor). E corta logo para o interior do apartamento de vários cômodos (parece ter sido tudo feito em locações) com o casal já em fim de conversa, imprimindo um texto sobre o fato ocorrido.
Mas sempre acontece alguma coisa que impede que eles saiam. O homem rico é agora o Christoph Waltz que ganhou o Oscar com seu sotaque discreto e jeito antipático e prepotente. Bem longe da empatia de Daniels, ou seja, uma escolha errada. Sua mulher é Kate Winslet, mas o problema maior do filme é que o apartamento - ao contrário do palco - parece entulhado, confinado, mal iluminado e fotografado quase sempre a distância, com as pessoas sentadas, com pouca ação (embora se mostre também o banheiro, a cozinha, o escritório mas não o quarto, nem o outro filho menor (o machucado tampouco surge, ouve-se apenas a voz da mãe do dono da casa que vive telefonando. Aliás, a maior piada do filme que é a constante e repetitiva, porque Waltz insiste em falar no celular, porque surgiu uma crise porque um remédio pode ser venenoso! O celular terá um destino certo. Por outro lado, a grande cena na peça que era o vomito, tinha no palco muito mais impacto, era mais divertido também. O realismo não adiantou.
O casal que recebe a visita é formado por Jodie Foster (nunca a vi tão careteira e exagerada e mal fotografada) e John C. Reilly (que já cansou de fazer tudo igual) num personagem que a principio lembra o dele em Precisamos falar sobre Kevin (ele esquenta um pouco na parte final). Mas defeitos que passavam batido em cena na peça, graças ao calor do contenda, aqui ficam acentuados, principalmente o final abrupto e sem conclusão. O que nos leva a triste certeza de que nada de muito importante acontece no filme: eles bebem, discutem civilizadamente, ela vomita, ele fala ao celular, comentam as flores (tulipas) que compraram especialmente para a ocasião, também de um bicho cobaia (hamster) que foi liberado de um apartamento, comem um bolo de frutas. E de vez em quando se agridem (só Jodie fisicamente ataca Reilly uma vez).
Parece que um apartamento daqueles valeria muito em Nova York (mas não aparenta, aliás, o filme foi rodado em Quebec, Canadá ), mas o fato é que Polanski fez tudo errado. Não se torce por ninguém, nem se conhece direito os personagens (porque num teatro todos compartilham o mesmo espaço e respiram diretamente o drama e o conflito). Aqui ele faz tudo para nos distanciar deles, observando-os quase clinicamente, sem nenhuma paixão. As indicações ao Globo de Ouro das atrizes foi pura gentileza, não merecem. O filme não deve funcionar em nossos cinemas, como sucedeu em toda parte . Uma decepção.