Crítica sobre o filme "Alma Sem Pudor":

Eron Duarte Fagundes
Alma Sem Pudor Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 28/10/2012

Christabel, a personagem central de Alma sem pudor (Born to be bad; 1950), um dos belos filmes iniciais do norte-americano Nicholas Ray, personifica a dissimulação feminina em grau máximo. É uma percepção que nasce da literatura do século XX, a do francês Gustave Flaubert, a do português Eça de Queirós, a do brasileiro Machado de Assis. Sim, a americana Chris é a herdeira ou a modernização das figuras novecentistas Ema, Luísa ou Capitu: enganam e manipulam como transpiram. Desde o título do original inglês, “nascida para a maldade”, Ray e seu roteirista Charles Schnee (que extraíram tudo do romance de Anne Parrish) deixam claro que a amoralidade perversa da protagonista é uma essência ontológica: está no sangue e não muda; e a estética refinada e sinuosamente pudica de Alma sem pudor obedece a estes laivos genéticos.

Ninguém melhor do que Joan Fontaine, com sua provocativa superficialidade inexpressiva, para encarnar na tela os dilemas de Christabel, a velha que desde o início do filme quer viver entre dois homens, o milionário Curtis e o homem que verdadeiramente o atrai, o escritor ascendente Nick. Casa-se com o homem de dinheiro, claro, mas anos depois enrola-se de novo com a presença de Nick. Surge ainda a criatura do pintor efeminado Gabriel, para quem ela posa. No meio deste universo masculino diversificado Christabel desliza com sua inconsciência moral, até seu final melancólico mas que ela acaba aceitando, nas imagens que fecham o filme, com estoicismo.

Ressentindo-se talvez de uma ou outra frouxidão do ritmo narrativo, Alma sem pudor é, mesmo assim, um exemplar de extrema dignidade da precisão emocional e formal do estilo de filmar de Nicholas Ray.