Os americanos não estão sabendo compreender e curtir a proposta deste novo filme de Meirelles, a ponto de não perceberem que ele é uma releitura do célebre La Ronde (Reigen), a peça de Arthur Schnitzler que já foi filmada algumas vezes (La Ronde, 50, uma obra prima de Max Ophuls, a Ronda do Amor, 64, de Roger Vadim com Jane Fonda, e pelo menos cinco outras vezes, inclusive em O Círculo de Jafar Panahi).
Basicamente é a história circular (tanto que o filme foi chamado em Portugal 360: A Vida é um Circulo Perfeito), que começa e termina com um mesmo personagem, no caso uma prostituta. O próprio Fernando afirma modestamente que o filme é mais do obra do roteirista Peter Morgan do que dele próprio (Peter acompanhou a filmagem e até a montagem e, de certa maneira, conta sua história, já que ele é baseado em Viena, na Áustria e muitas das histórias que conta ele viveu ou observou nas suas contínuas viagens para a América ou Londres).
Para quem não lembra, Peter é britânico e escreveu os roteiros de O Último Rei da Escócia, A Rainha (que lhe deu indicação ao Oscar), Frost/Nixon (outra indicação), Além da Vida, de Clint Eastwood, A Outra, Maldito Futebol Clube e outros. Mas Fernando conseguiu comprovar sua notável capacidade de conduzir de forma perfeita um elenco vindo de diversas partes do mundo, alternando estrelas com desconhecidos (ao menos para nós), com uma eficiente dupla de brasileiros falando inglês (a encantadora Maria Flor e o Juliano Cazarré, em franca ascensão). Todos estão ótimos, às vezes em papeis ingratos (Jude Law), mas para comprovar a harmonia da direção, basta dar dois exemplos. Anthony Hopkins está em um de seus grandes momentos, e o mais tocante é quando participa de uma reunião dos Alcoólatras Anônimos e acrescentou aos diálogos sobre sua própria experiência, quando há trinta e tantos anos conseguiu vencer o alcoolismo (e a história que conta do padre é real). O outro exemplo é com o jovem americano Ben Foster, que é daqueles que seguem a risca o método Stanislawski (a ponto de não querer encontrar Maria Flor até quando realmente a encontra no aeroporto). Ele tem a tendência de super representar, cair no exagero e se perder. Mas não aqui. Como um ex-detento por ofensas sexuais que está tentando se reabilitar, ele consegue criar tensão e mesmo simpatia.
A história começa em Viena, para onde vão duas irmãs da Eslováquia, ansiosas para sair da vida de pobreza. A mais velha concorda em se prostituir enquanto a mais nova lhe faz companhia, esperando o fim dos encontros, arranjados por um gigolô de internet. Aguarda lendo romances russos. Seu encontro seria com um homem de negócios inglês (Jude), que é casado com uma editora de revista de modas (Rachel Weisz), que por sua vez o trai com um fotógrafo profissional brasileiro (Cazarré). Mas ela quer terminar o caso, só que é tarde porque a namorada dele percebeu tudo e está partindo de volta para o Brasil. E assim por diante, até uma conclusão inesperada, quando vários se encontram num hotel (embora tenha um adendo e Fernando, com uma impressionante sinceridade, ache que não conseguiram encontrar um final de maior impacto). Isso não me incomodou, porque durante todo o tempo me envolvi com os personagens, seus problemas e dramas e principalmente com a narrativa muito feliz, muito bem editada (pelo consagrado Daniel Rezende) e interligada por canções de origens diversas (foi a mulher de Fernando que as escolheu).
O que eu admiro é a competência com que ele orquestrou os diversos elementos, como a esplêndida fotografia de Adriano Goldman (Jane Eyre, O Ano Em Que meus Pais Saíram de Férias), a trilha internacional e o elenco heterogêneo. Ou seja, 360 é um filme muito digno, sério, de qualidade. Para ser visto e apreciado.