Crítica sobre o CD "The Hobbit: An Unexpected Journey Special Edition" do filme "Hobbit, O - Uma Jornada Inesperada":

Jorge Saldanha
Hobbit, O - Uma Jornada Inesperada Por Jorge Saldanha
| Data: 16/12/2012

Lembro muito bem da estranheza que senti quando soube que o canadense Howard Shore fora escolhido para compor a trilha sonora original de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel. Afinal, era o tipo de filme cuja temática exigia uma exuberante partitura orquestral, algo que o compositor até então nunca criara. Três filmes e dois Oscars depois, para mim (e creio que para todos os fãs da trilogia do diretor Peter Jackson baseada nos livros de J.R.R. Tolkien), a música épica de Shore ficou tão associada à obra que fica impossível imaginarmos esses filmes sem seu magnífico acompanhamento musical (posteriormente adaptado pelo próprio compositor para concerto).

De forma contrária, quando o projeto de O Hobbit foi anunciado – inicialmente com Jackson apenas na produção e roteiro – o temor era de que outro compositor herdasse a tarefa de compor as trilhas sonoras dos então dois filmes (o projeto foi posteriormente expandido para uma nova trilogia). Mas com Jackson confirmado na direção, o cineasta e o compositor felizmente colocaram de lado o incidente King Kong, e Shore foi convocado já no início das filmagens para criar a música para a nova epopeia  da Terra Média, que como o livro no qual se baseia é um prelúdio aos eventos da trilogia O Senhor dos Anéis. Assim, com o mesmo diretor e a maior parte da equipe técnica original, também a integridade musical do novo projeto parecia estar garantida.

Deixe-me explicar melhor essa questão da “integridade musical”: um novo compositor poderia assumir o posto de Shore, pegar alguns de seus temas originais e agregá-los ao próprio material, como aconteceu por exemplo na franquia Harry Potter, na qual John Williams foi sucedido por outros colegas que, em maior ou menor grau, afastaram-se de seus conceitos iniciais a ponto de a própria assinatura musical da série praticamente deixar de ser usada nos scores. Sem falar que, quando empregados, os temas de Williams muitas vezes pareceram deslocados dentro do estilo do compositor da vez. Seria lamentável se isso acontecesse nos filmes de O Hobbit, e a permanência de Shore seria a garantia da continuidade e desenvolvimento de um conceito consagrado. E, finalmente já tendo ouvido à trilha sonora original do primeiro filme que chega às telas mundiais no próximo mês de dezembro, posso respirar aliviado: musicalmente The Hobbit: An Unexpected Journey, atendeu e até mesmo superou minhas expectativas.

 Sem surpresa, você ouvirá neste trabalho não poucos momentos de alguns dos icônicos temas criados para a trilogia do Anel, contudo não tome isso como um sinal de preguiça de Shore. Afinal, eles já se tornaram parte integral da mítica saga cinematográfica da Terra Média, e sua utilização quando do surgimento, na tela, de personagens e locais já conhecidos, torna-se não apenas aconselhável, mas imprescindível. Mas Shore, sendo seu autor, os integra de forma natural e orgânica ao score, e o mais importante: eles são o ponto de partida para uma aventura auditiva completamente original, que de forma fiel ao padrão estabelecido, proporciona ao ouvinte momentos de humor, aventura, ameaça e puro deslumbramento. Os conhecidos temas dos Hobbits e do Condado concentram-se principalmente nas faixas iniciais do score, “My Dear Frodo” e “Old Friends”, onde Bilbo, Frodo e Gandalf são acompanhados pelos conhecidos acordes.

Ao longo da trilha, outros motivos, como os de Valfenda e os associados ao Mal, também são resgatados de forma harmônica por Shore. Ouça, por exemplo, “Riddles in The Dark”, que combina elementos do tema de Gollum e do Um Anel, enquanto “Warg-scouts”, “The Hidden Valley” e “The White Council” contém osleitmotivs dos elfos e de Valfenda, sendo que a última também indica, com referências ao tema de Saruman, o destino sombrio do mago. Mas é a partir da introdução da trupe de anões que acompanhará Bilbo e Gandalf na busca do tesouro guardado pelo dragão Smaug, em “An Unexpected Party”, que o material inédito começa a surgir e as coisas ficam mais interessantes.

Dentre os novos temas destaca-se o  que representa o grupo de heróis em sua perigosa aventura (de forma análoga ao tema da Sociedade do Anel), que ora é pungente, ora é grandioso, de acordo com sua utilização na partitura. Em forma vocal, interpretado pelos anões e com letras extraídas da própria obra de Tolkien, ele surge em “Misty Mountains” e ganha sua interpretação para os créditos finais na canção folk“Song of the Lonely Mountain”, interpretada por Neil Finn – que como a trilha em si, “cheira” a indicação e possivelmente premiação no próximo Oscar. Na partitura, o motivo aparece com força em faixas como “The World is Ahead”, “Roast Mutton” e, especialmente, domina “Over Hill” (uma das minhas preferidas, ouvida no primeiro trailer do filme). Outro tema inédito que merece destaque é o do mago Radagast, o Castanho, no álbum introduzido em… “Radagast the Brown”, obviamente. E não podemos esquecer de Thorin Escudo de Carvalho, que ganha um motivo levado por nobres acordes dos metais, e que é recorrente para marcar suas aparições.

Já as faixas de ação seguem o estilo tradicional da saga, com a orquestra em plena potência para criar um necessário senso de escala, tornado mais dramático pelos cânticos do coral. Uma das melhores é “Out of the Frying Pan”, que traz reflexos da memorável “Last March of the Ents”, de O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, que se encerra com um grande trabalho de coral e segue para a igualmente assombrosa “A Good Omen”, que também possui um magnífico tema para o coral.

Na minha opinião, The Hobbit: An Unexpected Journey é uma fabulosa trilha sonora que já nasce clássica, com arrebatadoras faixas orquestrais que evocam velhos e queridos amigos e nos apresentam a novos. É, facilmente, o melhor score orquestral desde O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei e certamente o melhor de 2012, e como se já não houvesse outros motivos, cria grandes expectativas para que nos juntemos a Bilbo e sua trupe em novas jornadas pelas maravilhas e perigos da Terra Média. A trilha sonora está disponível em duas versões, ambas com 2 CDs.  A diferença é que a “Edição Especial” tem embalagem diferenciada, um extenso encarte e faixas bônus e estendidas.

Faixas da “Edição Especial”:

Disco 1
1. My Dear Frodo
2. Old Friends (Extended Version) **
3. An Unexpected Party (Extended Version) **
4. Blunt the Knives (Performed by The Dwarf Cast) *
5. Axe or Sword?
6. Misty Mountains (Performed by Richard Armitage and The Dwarf Cast)
7. The Adventure Begins
8. The World is Ahead
9. An Ancient Enemy
10. Radagast the Brown (Extended Version) **
11. The Trollshaws *
12. Roast Mutton (Extended Version) **
13. A Troll-hoard
14. The Hill of Sorcery
15. Warg-scouts

Disco 2
1. The Hidden Valley
2. Moon Runes (Extended Version) **
3. The Defiler
4. The White Council (Extended Version) **
5. Over Hill
6. A Thunder Battle
7. Under Hill
8. Riddles in the Dark
9. Brass Buttons
10. Out of the Frying-Pan
11. A Good Omen
12. Song of the Lonely Mountain (Extended Version, Performed by Neil Finn) **
13. Dreaming of Bag End
14. A Very Respectable Hobbit *
15. Erebor *
16. The Dwarf Lords *
17. The Edge of the Wild *

* Faixa bônus ** Versão estendida