Crítica sobre o filme "Movimento em Falso":

Eron Duarte Fagundes
Movimento em Falso Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 19/12/2012

Um amigo dos anos 80, o paulista Renato Pedroso Júnior, que aqui viveu alguns anos bagunçando o coreto dos pensadores cinematográficos da época, dizia claramente que não tinha paciência para com os filmes do alemão Wim Wenders, mas que chegara a gostar de Movimento em falso (Falsche  Bewegung; 1975). Wenderiano característico, estranhei a preferência de Renato: a narrativa tinha todas as características pausadas do cinema de Wenders e se arrastava como uma coisa tateante e disforme. Passados tantos anos, a revisão do filme não muda a base de minha impressão: ao visitar o romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1796), de Johann Wolfgang Goethe, dali extraindo vaga inspiração e algumas sugestões de personagens, Wenders está longe de seus melhores dias, rodando um filme cheio de buracos e algum tédio, apesar de aqui e ali já exercitar a expressividade da imagem cinematográfica que lhe renderia uma obra-prima como Paris, Texas (1984).

(Sobre Paris, Texas há outra história anedótica envolvendo a mim e a Renato. Quando o filme foi lançado em Porto Alegre, um amigo comum, o jornalista gaúcho Tuio Becker, que o tinha visto na Espanha e se aborrecera com o que vira, confidenciou a Renato que estava reunindo forças para rever o filme e cumpriu sua obrigação no jornal e na rádio de resenhar o então novo Wenders. Foi o que bastou para que Renato debochasse de minhas preferências cinematográficas: “somente o Eron tem paciência para um filme como este”, disse-nos Renato numa roda de amigos à saída dum cinema, naqueles anos impagáveis. Tempos depois, na Alemanha, Tuio reviu Paris, Texas e se maravilhou, reavaliando o que dissera sobre o filme).

Para além das idas e vindas enfadonhas de Movimento em falso, onde o protagonista vaga de cá para lá em busca dos tipos urbanos como num sub-Antonioni, é bom rever no elenco alguns nomes que viriam a fazer a história do cinema naquela década. Rüdiger Vogler é o habitual intérprete-fetiche de Wenders. Uma jovem e voluptuosa Hanna Schygulla, atriz e esposa de Rainer Werner Fassbinder, um parceiro de cinema de então de Wenders, desfila diante das câmaras vagarosas de Movimento em falso. E uma ainda mais jovem Nastassja Kinski (que estrelaria para Wenders Paris, Texas), com aquela inocente-perversa ternura erótica de menininha que depois se veria em Tentação proibida (1978), do italiano Alberto Lattuada, brinda o espectador com a exposição de seus seios na imagem. Enfim, se há frustração estética neste Wenders menor, historicamente vai sempre valer a pena.

P.S.: Saliente-se aqui outra parceria entre Wenders e o romancista Peter Handke (de O medo do goleiro diante do pênalti, romance de 1970 e filme de 1971), que transforma Goethe num possível roteiro cinematográfico. Ao contrário do que alguns disseram, o problema do filme não é de roteiro (que é adrede nebuloso) mas do próprio cinematográfico de Wenders, que aqui é em falso.