Crítica sobre o filme "Prometheus":

Jason
Prometheus Por Jason
| Data: 04/01/2013

Antes de começarmos, podemos concordar de imediato com algumas coisas: Prometheus pode ser visto como uma prequel da cinessérie Alien ou isoladamente como um filme totalmente novo. Na primeira, é fato que Prometheus não se compara ao já clássico Alien, o oitavo passageiro por uma série de motivos notáveis (basta assistir os dois filmes para saber). Na segunda opção, bem melhor, nota-se que Prometheus é um filme que impressiona em diversos sentidos e está ali, no alto, como uma das mais exóticas e brilhantes ficções dos últimos tempos por oferecer um interessante argumento e não apenas um filme com efeitos especiais, como muitos pensam. 

A começar pelo prólogo do filme que, por exemplo, resume bem o que será visto dali em diante. A ideia defendida por um dos personagens, David, de que "às vezes, para criar, é preciso primeiro destruir tudo" é revelada nas sequências iniciais. A simbologia do sacrifício como forma de gerar vida, tão presente na cinessérie alien também está aqui: o criador dos seres humanos, com sua pele de mármore, tal qual uma representação grega de um Deus, se sacrifica com uma reação química para dar origem a vida. 
Há quem diga que o planeta mostrado, o local do sacrifício desse começo, filmado brilhantemente por Scott - que salienta a geografia estranha e nos remete a vasos sanguíneos em planícies acidentadas como se fosse a pele do criador se desfazendo - seja a própria Terra em seus tempos remotos. Acontece que a vida, como demonstrado no filme, é capaz de brotar em qualquer lugar, desde que haja uma combinação de fatores: no caso, uma reação entre um líquido preto desconhecido com um material genético - ou uma simples espécie de estufa no meio de um planeta deserto. 

O roteiro do filme, habilidoso em gerar questionamentos, deixa margens para interpretações - e isso é ótimo porque não existe respostas para tudo e não há nada mastigado para o espectador. Primeiro porque não fica claro quem são os engenheiros, de onde eles vem e o que eles querem. São cientistas espaciais, certo, conhecedores de biologia e química, avançados tecnologicamente, que fundiram "máquina" a "genética" (eles usam trajes biomecânicos) e foram vistos no filme Alien, de 1979, pela primeira vez, na forma de fóssil. 

Prometheus sugere que estes engenheiros criaram os seres humanos não só no prólogo, mas pela descoberta de sua semelhança física com os seres humanos e sua codificação genética idêntica, como bem descobre a personagem Elisabeth Shaw. Porém, como questiona Shaw, o espectador também deseja saber quem os criou, porque eles criaram os seres humanos e porque depois de tanto tempo desejaram destruir. Seria uma questão de vaidade, para tentar impedir que a criação superasse o criador, ou apenas pela necessidade de se criar algo maior e mais complexo? Teriam os engenheiros se revoltado com a sua criação porque elas "pecaram" contra os criadores?

Há referências bíblicas e históricas dentro do filme que o espectador mais atento poderá perceber. A começar pelo sonho de Shaw, sobre a morte de sua mãe, sua conversa com seu pai. Os próprios engenheiros dormem em câmaras que lembram sarcófagos (seria a vida eterna que a humanidade crê desde os tempos remotos?) e um deles acorda dois mil anos depois (o que nos dá a ideia de que a nave partia para a Terra na Era de Cristo). Em um mural, além da presença da figura de um "homem", há a de um alien como o cinema conhece, em uma espécie de crucificação. Teria a crença de ressurreição de Cristo passada aos homens nessa época pelos próprios engenheiros? Questionando mais além - seria Cristo um dos engenheiros, capturado e sacrificado por aqueles que ele ajudou a criar, o que despertaria a ira de seus companheiros? 

Existe mais a se perguntar. Quando os humanos chegam naquela espécie de pirâmide no meio do nada, descobrem uma série de objetos com líquidos dentro, uma câmara com uma cabeça em formato humano ao fundo (um dos cenários mais marcantes do filme e provavelmente da ficção). A câmara tem uma atmosfera de conserva, o que dá a entender que se trata de um laboratório gigante para experimentos científicos, uma vez que - percebam - a cabeça de um dos engenheiros morto muitos anos atrás se encontra em perfeito estado de conservação ali dentro. A diferença é que, como existe aquele líquido que pode formar uma nova vida, se usando de um DNA, há aqueles que podem simplesmente "recombinar" um DNA: o líquido preto é capaz de transformar um verme em uma serpente que regenera rapidamente sua cabeça, mas ao contato com o DNA humano masculino, ele acaba por transformar a pessoa em um tipo mutante, como se eliminasse completamente os vestígios de DNA humano. Com o feminino, ele gera uma vida estranha, dando a possibilidade de uma mulher estéril, como Shaw, engravidar. 

A presença dos humanos dentro da câmara que foi aberta altera a atmosfera, líquido começa a vazar, as paredes começam a mudar e, como um sistema de defesa, ela parece reagir produzindo uma tempestade de sílica no planeta. Por qual motivo? Isso traz recordações de outro filme de ficção: o mal fadado Missão Marte, quando, no momento de invasão de uma base marciana com o formato de um rosto, um furacão de poeira é formado para atacar os visitantes indesejados, como um inseticida. 

Da mesma forma, é interessante perceber como David, o andróide interpretado por Michael Fessbender, parece conhecer tudo antecipadamente, assim como o andróide Ash no filme de 1979. É ele que sabe que aquele não é o único ponto existente dentro do satélite LV 223 com naves como aquela do engenheiro, carregadas de ampolas cheias daquele líquido preto, o que deixa a entender também que os engenheiros montavam uma operação de limpeza planetária da qual os humanos eram as vítimas.

O filme também não explica porque a nave vista no começo do filme é diferente da vista durante o filme e pilotada pelo engenheiro. Teria a raça de engenheiros diferentes hierarquias dentro dela ou a mudança dos veículos representa uma evolução tecnológica? Há também uma mudança de satélite em relação ao filme de 1979, o que deixa uma sensação de que o filme não se conecta perfeitamente ao final com a série e não pode ser classificado como uma prequelEssas e outras questões e suposições garantem uma espécie de mitologia em torno do filme que deverá ser amplificada com uma continuação.


Técnica a serviço do filme

A parte técnica do filme é completamente soberba. Os efeitos especiais são impressionantes e, em momento nenhum, exagerados. Desde um holograma até a geografia do planeta, passando pela nave Prometheus, sua cabine cheia de imagens digitais, e as criaturas alienígenas, tudo é ultra perfeito e dentro do contexto apresentado pela trama. Não há excesso nem festivais de efeitos especiais. Scott mistura efeitos práticos, maquiagem e efeitos digitais para criar sequências assombrosas, como o encontro com uma serpente alienígena (premeditado momentos antes de maneira brilhante), o pouso da Prometheus ou a brilhante sequência que vai revelar a decolagem da nave de um dos chamados engenheiros. Há ainda uma cena especial que já entrou para antologia do cinema: a bela cena em que David é envolto por um mapa estelar num dos compartimentos da nave alienígena e descobre que ela se dirige para a Terra. Não vamos citar a assombrosa sequência de impacto entre as duas naves e a cena do parto de Shaw que deixaria até a tenente Ellen Ripley, grávida de uma rainha alien, de cabelos em pé.
A direção de arte e cenários é outro trunfo do filme, um dos melhores se não o melhor do ano. Tudo é grandioso e ultra perfeito, desde o próprio planeta, filmado magistralmente por Scott, passando pelos compartimentos da Prometheus, todos maravilhosamente recriados em estúdio, até as cavernas onde a trama se desenrola. Os cenários, baseados na obra do design H R Giger, inspiram material orgânico, deformados, cheios de saliências. São um prato cheio para os olhos. O filme recria veículo e figurinos de maneira brilhante e são bem fotografados e filmados por Scott (repare na iluminação dos capacetes, em tom amarelado, fazendo contra ponto com a escuridão das cavernas). 

A fotografia e iluminação se alternam entre tons que vão do azul (como na cena de encontro entre Vickers e David), ao festival de cores da cabine da Prometheus, o breu das cavernas, o tom arenoso do planeta, o tom febril e frio do prólogo que entra em contraste com o vermelho quando a vida começa. É lindo ver a cabine da nave dos engenheiros ser iluminada por hologramas e Ridley salienta o contraste de tons de uma maneira maravilhosa. Até os efeitos sonoros são bem elaborados - Scott não salienta barulheira no momento de explosão das naves, para não tornar o filme barulhento como umTransformers. Todos eles são bem pontuados - repare no som feito pelos tentáculos da criatura ao agarrar o engenheiro, nos sons abafados das portas que se abrem dentro da Prometheus, os ruídos feitos pela serpente no meio do liquido preto ou o ácido corroendo o capacete e a pele de um dos personagens enquanto este grita. São sensíveis detalhes, que deixa o filme em um patamar superior.


Se o filme ainda cumpre muito bem sua função de apresentar uma trama dentro do universo criado pela série, o trio principal, Michael Fessbender, Noomi Rapace e Charlize Theron garante parte do êxito do entretenimento proporcionado pelo filme. Cabe a Charlize, no papel da fria Meredith Vickers, a função de vilã da trama, uma mulher interesseira, que não pensa duas vezes em visualizar o cargo ocupado pelo pai morto, pelo qual ela não demonstra nenhum amor e muito menos eliminar alguém de sua tripulação se isso comprometer a sua missão. Noomi Rapace defende perfeitamente sua complexa e Elisabeth Shaw, que tem parte de sua personalidade definida em um sonho, numa cena bem elaborada. Sem poder engravidar, Shaw recebe de David a notícia de que está carregando em seu ventre um feto e não hesita um só momento em retirar aquilo de sua barriga. Mesmo costurada, carrega seu terço no pescoço e vai atrás daquilo que acredita, custe o que custar. Michael Fassbender, por sua vez, no papel do androide de última geração David, carrega a maior ironia da trama: seu "pai", o dono da organização que financia o projeto, afirma que David não tem alma e não é humano. Ironicamente, David carrega sentimentos mesquinhos ou puramente humanos, como inveja, ciúmes, curiosidade e sarcasmo. É ele que inicia um processo de contaminação entre os tripulantes que vai levar a evolução da criatura como o cinema conheceu.

As sequências pós parto de Shaw foram criticadas por alguns críticos de cinema, pelo fato de Shaw fazer coisas que não caberia a uma mulher recém parida, mas não consigo ver isso como algo que comprometa o desenrolar da trama, uma vez que a cirurgia nela foi bem sucedida, ela não para de sentir dor até o final e se usa de injeções analgésicas ao ponto de ficar praticamente drogada. 

E os problemas...
Mas Prometheus peca. Se Noomi defende com unhas e dentes sua personagem, há aquela sombra que paira o tempo todo de Sigourney Weaver e sua tenente Ripley.

Existe, sim, o problema de montagem no último ato. O filme prepara um combate entre Shaw e o engenheiro sobrevivente da queda da nave. E simplesmente corta antes do tempo, como se tivesse faltado algo entre o momento do começo do conflito e o momento final (a cena foi revelada em DVD e Blu Ray). E, claro, não dá para passar em branco: as falhas do roteiro. O filme não explica qual o motivo do "filho" de Shaw ter se desenvolvido daquela forma, mas deixa supor que ele se alimentou de pessoas - há manchas de sangue na porta do módulo e, no momento após o parto, Shaw não pegou na porta mas no interruptor que a abriu. 

Há um excesso de personagens descabido no filme - o filme apresenta como população da nave 17 integrantes, mas a conta parece não bater. Se no primeiro filme da série todos os sete personagens eram bem delimitados em suas personalidades, o filme apresenta gente que entra e sai sem contribuir com nada, como se servisse apenas de material para morrer (sete personagens seriam suficientes). 


Um dos casos mais graves é o do capitão da nave. Se no filme de 1979, o Dallas de Tom Skerrit era um homem que confiava demais nos outros, não era capaz de questionar o oficial de ciências, não se importava com a segurança da tripulação permitindo a entrada de alguém contaminado dentro da nave, mas organiza o time quando a coisa aperta, o capitão Janek de Prometheus só terá função ao final (e, percebam, a função de sacrifício). Não ajuda em nada a presença dos personagens Filfield e o biólogo Millburn, uma desculpa esfarrapada do roteiro para colocá-los em uma enrascada e movimentar a trama, uma vez que o biólogo não serve para nada, notem (apenas para morrer), e Fifield entra na trama apenas para eliminar o excesso de contingente populacional da produção ao mostrar os efeitos um pouco mais avançados do contato do líquido preto com o DNA humano. O filme renderia muito bem sem eles.
Prometheus custou pouco mais de 100 milhões de dólares (parece mais caro) e arrecadou 400 milhões no mundo todo. Recentemente foi anunciado que uma continuação sairá em 2014 e o filme deixa uma brecha, não responde questões e alimenta outras mais complexas. Torço para que uma continuação corrija os erros apontados neste primeiro capítulo porque, como filme redondo e integrante da série Alien, Prometheus deixa a desejar, mas como ficção, num mundo de mesmice que habita o cinema hollywoodiano, se garante muito bem com nota máxima.