Crítica sobre o filme "Seduzida & Abandonada":

Eron Duarte Fagundes
Seduzida & Abandonada Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 07/01/2013

O cinema do italiano Pietro Germi pode ter envelhecido em suas essências de filmar, mas em alguns casos ainda vale a pena vê-lo. É o caso de Seduzida e abandonada (Sedotta e abbandonata; 1963), realizado depois do insosso e superestimado pelos que querem resgatar o esquecido Germi Divórcio à italiana (1962). Mais do que em Divórcio à italiana ou mesmo em O ferroviário (1956), Seduzida e abandonada põe Germi nos trilhos das crônicas de costumes edificadas magistralmente por outro italiano, Federico Fellini, nos anos 50; esta referência é tanto uma aproximação favorável ao cinema de Germi (estar à beira de Fellini é bom) quanto uma ilusão crítica (vai um abismo entre o barroquismo ingênuo de Fellini e as raspas novelescas e sentimentais de Germi).

Ambientado na Sicília mais retrógrada e virulenta da década de 60, Seduzida e abandonada traz os primeiros anos da atriz Stefania Sandrelli na pele duma garota de família seduzida pelo cunhado enquanto a irmã dela (e noiva do rapaz) dormia na mesma sala. O moralismo feroz da família italiana é bem apanhado pelo relato de Germi, que vai descrevendo os tipos e as situações com intensidade; entre falcatruas de comportamento e pequenos embates judiciários e teias familiares o filme desenvolve um pensamento linear e claro. O delírio final da personagem de Stefania, com algumas cenas se reinserindo várias vezes na montagem (como o rapaz da multidão que impede a moça de fugir ou correr para longe), é o que poderia melhor aproximar Germi do fermento barroco de Fellini. Também é felliniana a procissão cristã encenada; a figura da santa carregada pelos populares é à Fellini, assim como o povo religioso diante das câmaras: Germi contempla quase documentalmente a alma beata dos sicilianos em questão. E no fim, a cena do pai delirante diante dos noivos forçados, sobra para uma visão da hipocrisia de tudo isto.

Não serve para pôr Germi no panteão dos grandes; mas é uma bela narrativa cinematográfica.