Crítica sobre o filme "Bruxas, As":

Eron Duarte Fagundes
Bruxas, As Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 15/01/2013

A glória dos “filmes em episódios” na Itália se deu mesmo nos anos 50 e 60, com alguns repiques nos anos 70; e não somente nas comédias populares mas ainda em produções mais empenhadas que, pelo teor dos nomes envolvidos, criavam uma certa aura de seriedade artística. (Sabe-se que esta ascendência das narrativas em episódios desceu da Itália diretamente para as pornochanchadas brasileiras, que ligeira e brejeiramente se utilizavam desta estrutura aparentemente mais fácil).

As bruxas (Le streghe; 1967) não é uma comédia popular. É um divertimento cinematográfico que propõe um empenho inteligente.

Produzido pelo italiano Dino de Laurentis para o brilho de sua esposa e musa Silvana Mangano, uma atriz que nunca deixa de deslumbrar diante do espaço cinematográfico, As bruxas oferece a alguns cineastas italianos do primeiro time a oportunidade de fazer brilhar seu estilo de cinema. Talvez o que melhor aproveite este instante de brilho seja o diretor do episódio de abertura, Luchino Visconti, que filma A bruxa queimada viva (La strega bruciata viva). A “signora” Mangano/De Laurentis desliza maravilhosamente em algumas imagens sinuosamente sombrias que Visconti põe, com seu refinamento soberbo, em seu filme; ela interpreta uma estrela de cinema que se esconde por algum tempo numa mansão remota de uma amiga, esta mansão se situa em Kitzbühel, na Alta Baviera, Alemanha; a amiga de Glória, a personagem de Silvana, é Valeria, uma burguesa casada interpretada pela francesa Annie Girardot, já vista antes sob Visconti no fundamental Rocco e seus irmãos (1960); os assombros estilísticos de Visconti e a riqueza da química feminina-interpretativa de Silvana e Annie fazem de A bruxa queimada viva (o título é uma ironia medieval e gótica bem viscontiana) o ponto alto de produção, por larga margem. Há ainda a aparição de um jovem Helmut Berger, como um atendente de hotel; Helmut foi um fetiche sexual e cinematográfico de Visconti. Há uma cena maravilhosamente hedonista com o ator: ele fita um retrato da diva Silvana e nas bordas do retrato se refletem pedaços de imagens de Helmut; assim, num único lance, Visconti serve a seu produtor, embevecendo-se com a imagem de Silvana, e a si mesmo, deliciando-se com as projeções físicas de Helmut. Há neste filme algo de A doce vida (1960), do italiano Federico Fellini, com o olhar perverso para o culto das estrelas da sociedade, até um helicóptero (como aquele do início do filme de Fellini) surge no final de A bruxa queimada viva, que segue a linha de sofisticação humana de O leopardo (1963) e Vagas estrelas da ursa (1965) e antecipa certas sombras nazistas de Os deuses malditos (1969), o mais germânico dos trabalhos do realizador peninsular.

Senso cívico (Senso civico), de Mauro Bolognini, traz Alberto Sordi no papel dum homem ferido no trânsito e que Silvana socorre em seu carro. É trêfego e agitado. A terra vista da lua (La terra vista dalla luna), de Pier Paolo Pasolini, apresenta os habituais tipos italianos de interior de Pasolini, e traz Totó, um astro popular de comédias da época, ao lado do símbolo fílmico e erótico de Pasolini, o estranho e característico Nineto Davoli. A siciliana (La siciliana), de Franco Rossi, hoje desconhecido, são puras asperezas da Sicília. Uma noite como as outras (Una sera como le altre), de Vittorio De Sica, é um De Sica de fato estranho (rodado em inglês) e com Clint Eastwood, uma virilidade de faroeste no cinema outrora delicado (pense-se em Umberto D, 1951) de De Sica. No fundo, o mais autêntico e verdadeiro é o episódio de Visconti.